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Isca de Polícia

É possível que meus vizinhos me achem assim, como vou dizer, um bocadinho desmiolado das idéias. Não, não, nunca disseram nada mais diretamente, mas deduzo o estranhamento pelos olhares de soslaio que me dirigem e pelo silêncio sepulcral das idas-e-vindas no elevador.

Pois é, meus caros cinco ou seis amáveis leitores, como são terríveis o silêncio dos elevadores! O quanto dizem sem nada dizer aqueles momentos em que olhamos o teto ou a ponta do nosso sapato, só esperando que a porta se abra – e a vida, graça bendita, volte ao normal.

Hoje, aliás, lhe dei um bom motivo para que esse estranhamento ganhasse contornos mais reais. É que larguei o carro ligado bem à saída do prédio, provocando um inédito congestionamento na garagem.

Foi um buzinaço, meus caros.

Mas, compreendam, por favor, tive lá meus motivos.

Na verdade, apenas um – um belo motivo e, diria, belas lembranças.

É que, mal embiquei a frente do Possante na calçada em frente ao prédio, dei de cara com uma baita faixa que anunciava as apresentações do Isca de Polícia neste fim de semana.

Os meus preclaros leitores devem saber que o Isca foi o grupo musical que acompanhou, durante anos e anos, o saudoso Itamar Assunção, cantor/compositor que fez parte da chamada Vanguarda Paulistana no início dos anos 80.

Ao lado de nomes como Arrigo Barnabé, Premê, Paçoca, Vânia Bastos, entre outros, Itamar deu uma bela agitada no chororô da MPB pós anos 70.

Não sei exatamente como lhes definir Itamar, que morreu em 2003, aos 52 anos.

Diria que ele foi o precursor do baticum do Seo Jorge, com um tanto mais de vigor e contundência. Afinal, Itamar projetou-se nos estertores do período ditatorial – a pegada era outra. E, por convicção, sempre se postou contra a chamada indústria fonográfica que, àquela época, dava as cartas, fazia e desfazia, no mundo da música.

Ainda em tom de analogia, e dentro do que se convencionou chamar de linha evolutiva da música popular brasileira, suponho ser possível afirmar que Itamar está para os anos 80 assim como a alquimia musical de Benjor esteve para os anos 60 e o suingue pós moderno de Luiz Melodia nos anos 70.

Todos são geniais – e Itamar, o inesquecível Nego Dito Beleléu, faz uma falta danada…

* O grupo Isca de Polícia, reforçado por uma das filhas de Itamar, prossegue carreira e se apresenta neste sábado e domingo, em São Bernardo.

* Quantos aos meus vizinhos, são boas pessoas – e logo perdoaram minha distração.