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Lucilanda e Berto

Lucilanda, o nome.

Forte, sonoro, retumbante.

Quase um título de nobreza para quem nasceu, como ela, sob o escaldante sol do nordeste brasileiro. Aliás, o nome lhe faz inteira justiça. É literalmente uma Lucilanda e se outros nomes e sobrenomes possui, certamente, de nada lhe valem. Lucilanda, só e basta. Todos se encantam assim onde quer que chegue.

Sorriso largo a expressar uma cativante simpatia. Mais para cheinha, de irresistíveis formas arredondadas. Morenice arrebatadora.

Pois esta é a Lucilanda, de vestidinho branco, óculos escuros e sensualidade a toda prova, que sai do interior abafado do Fusca 69, que pára como Deus quer, no portão principal do “Gera Park”, onde Felisberto trabalha lá se vão uma penca de anos.

Depois dessa aparição, a vida do gerente geral, como se auto-anuncia Felisberto, nunca mais será a mesma. Diante daquele mulherão com jeito de menina, ele de descontrola, fica tenso e teso.

Antes de falarmos do turbilhão de emoções e sentimentos que invade su’alma, vale conhecer o pacato cidadão que atende pelo carinhoso apelido de Berto, o implacável.

Está próximo dos 40, não é letrado, nem tem grandes ambições. Sempre trabalhou duro para sobreviver. Quando veio dos confins do Vale do Paraíba, da histórica cidade de Bananal – onde pousou o Imperador antes de seguir viagem para São Paulo e proclamar a Independência -, perdeu de vista os irmãos e com a mãe só fala mesmo por telefone nessas datas formais. Natal, Ano Novo, o dia da própria, principalmente o dia da própria.

O “Gera Park” da avenida D. Pedro é sua vida. Lá ele mora num improvisado cômodo e cozinha e trabalha diuturnamente. Lá os amigos se reúnem para por a conversa em dia, discutir futebol, política e até religião. Berto só não fala de mulher.

É uma questão “fechada”. Uma vez ou duas por mês (dependendo do montante das “caixinhas” e do desejo), Berto visita um “inferninho” na rua Domingos de Moraes, resolve o que tem que resolver, preferencialmente com Cidinha, que jeitinho especial e calado de tratar das coisas. É vapt-vupt. Volta depois para a rotina do estacionamento, sem altos nem sobressaltos, a bem da verdade como lhe convém e gosta.

Apaixonou-se uma vez. “Solamente una vez”, como diz a canção – “y nada mas”. Tinha 25 anos e se enrabichou por Silmara, oito anos mais nova que ele. Foi coisa de meses – três ou quatro. Mas, o suficiente para lhe trincar a alma e a vida. Imaginava-se correspondido, pensava em casar, filhos, esses badulaques todos do mundo e da vida.

Estava entusiasmado quando soube da própria sogra que Silmara, a meiga e angelical Sil, e o padrasto haviam fugido sem deixar vestígios, paradeiro e esperanças.

A coroa ainda tentou uma aproximação.

— Eles lá e nós aqui. Podemos tentar nos consolar, o que acha?

Berto balangou a cabeça. Fez que não entendeu – ou não entendeu mesmo. Mas, em questão de dias, assimilou o golpe. Resignou-se ao imaginar o desespero da ex-sogra que perdeu a filha e o marido.

— Essa coisa de amor não é para mim. Não sei lidar com isso. Se cuidar da minha vida do meu jeito.

Sem correr riscos de qualquer outra desilusão amorosa seguiu em frente. Os anos se passaram, ele nem percebeu. Ganhou alguns quilos, perdeu o topete a la Elvis. Mas não tinha do quê e porquê se queixar.

Isto até Lucilanda aparecer.

(* Trecho do livro que escrevi, mas perdi os arquivos originais. Ontem, encontrei em papel o trecho acima e resolvi publicar. Leia também O Ator, postado em 15 de março deste ano, e entederão melhor.)