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Minha esotérica favorita

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Solange K. era uma sensitiva a quem recorria todas as vezes que o Alfeu (ou seria Alceu?), editor da Agência Estado, me passava uma pauta amalucada com previsões, mudança do ano astral,  quem é quem no horóscopo chinês, entre outros badulaques, transcendentais.

Eu gostava, não vou negar, não. Até me divertia.

Além do que, reportagens de comportamento, o pessoal gosta de ler, se identifica e, diria até, se acha um tantinho especial, fora da caixinha do lugar comum.

Não é ou é?

A Solange era do bem. Minha esotérica favorita. Jogava búzios, fazia mapa astral, baixava o tarot, cercava esse tal de futuro de todo o jeito.

Nunca questionei seus dons e poderes.

Falava coisas maneiras, apostava no ser humano e dizia que, por pior que fosse o momento, haveria sempre “uma nobre razão para tudo aquilo”.

Muitas vezes, recomendei uma visita à Solange quando vi que alguns amigos se enroscavam com as futricas do cotidiano que, vamos combinar, por vezes, pesam a mão sobre nossos vãos destinos. Dóem mais do que pisada de elefante.

Ela tinha a palavra certa pro gajo, ao menos, tirar um dos pés do lamaçal, voltar a acreditar e botar um sorriso, mesmo que tímido, esquálido, no rosto.

Grande Solange.

Os caras até me agradeciam.

Verdade.

Nunca ninguém reclamou.

Em certa ocasião, procurei a Sra. K para uma pauta qualquer, não lembro.

O Alceu (ou seria Alfeu?) era muito criativo. Achava meandros no além para o repórter fustigar e desenvolver.

O que será do amanhã

Responda quem puder

O que ira me acontecer

O meu destino será o que Deus quiser

Lá fui eu para a casa rosa onde ela morava e atendia na Vila Mariana.

Foi solícita, como de costume.

Eu que fui um incauto, falastrão.

Antes da entrevista propriamente dita, fiz uma pose e lhe disse, para impressionar, que planejava fazer o Caminho de Santiago de Compostela que era modinha à época entre os descolados.

Pensei que fosse receber um elogio, um incentivo.

Ganhei uma sonora reprimenda.

– Pra quê?

– Como assim? – respondi surpreso.

– Não precisa.

– Não precisa?

– Não.

– Não?

– Você terá uma longa caminhada pela frente, mas aqui mesmo. Montanhas, vales, obstáculos, tempo bom, tempo ruim, você fará a travessia por aqui mesmo. Sem sair do próprio cotidiano.

Fiquei confuso.

Imaginem minha expressão apatetada.

Só soube dizer:

– Hãhã…

Mesmo assim, inteiramente desconcertado.

– Você vive um tempo de transição, de mudança. É necessário. Seja o que for o que lhe acontecer, seja autêntico. Seja você mesmo, sempre. E siga em frente. Sempre. Passará.

Olaiá.

Que sacode!

Tratei de começar logo a entrevista para a reportagem.

Não quis me apoquentar com prováveis aporrinhações futuras.

Desbaratinei da viagem.

E passei a usar, no dia a dia, os confortáveis pares de meias de lã, carésimas, que havia comprado especialmente para a épica jornada.

Sabem que Dona Solange tinha razão.

Fiquei por aqui – e, aos trancos e barrancos, segui em frente.

É da vida e dos amores.

Aprendam!

Não sou esotérico, mas tenho lá os meus dons…

 

Foto: site Aqueles Que Viajam

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