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Nicola, psicólogo e taxista

Enquanto isso naquele consultório de atendimento psicológico, próximo ao ponto de táxi, em uma movimentada avenida de São Paulo…

— Então, doutor, não gosto de lembrar disso…

— Do quê? Só lhe perguntei se gosta de escrever…

— Gosto e não gosto.

— Explique-se melhor.

— Adoro. Mas escrevo sempre sobre minhas emoções, meus desejos, sentimentos muito meus. Por isso, sempre foi algo assim, como direi, clandestino, sigiloso.

— Por quê?

— A princípio, eu mesmo não gosto de me expor publicamente. Depois eu era casada e meu marido não entenderia. Aliás, como não entendeu… Também, pudera, os poemas desvendam minha alma que, óbvio, nada tinha em comum com ele.

— Ah!

— Doutor, doutor, está me ouvindo?

— Claro que sim. Continue.

— Meus poemas têm uma história infinitamente triste. Meu ex descobriu meu baú encantado e deu para o juiz ler. No dia da minha separação, eu tive de ouvi-los em voz alta como prova cabal da minha traição. Difícil, triste…

— Como você reagiu a essa, digamos, invasão de privacidade?

— Fiquei atarantada. Só repetia: poemas são poemas.

— Desde quando você escreve?

— Escrevo poemas desde menina, desde que comecei a escrever. Naquele dia, me senti a Maria Madalena entre pedras, entende?

— Entendo.

— Foi o dia mais cruel da minha vida. O doutor, se quiser, pode incluir esta história na sua tese de doutorado. Sobre o que é mesmo o seu estudo?

— Mulheres que amam demais.

— Ah! Então cabe bem a história dos poemas condenados.

— Pode ser que use, sim.

— Vou lhe contar mais, então. Naquele dia eu jurei não ter nenhum papel que pudesse me ligar a alguém. Não precisar de juiz, nem de juízo. O doutor me conhece. Pode imaginar a cena que vivi?

— (…)

— Foi assim que tudo acabou como acabou. Mas, no meu primeiro poema, eu profetizava:

“Vou embora e levo
só o beijo que roubei
e nunca te fez falta.”

Mas, juro, doutor, não havia traição e eu continuo repetindo: poemas são poemas e poeta tem direito ao perdão. O doutor concorda?

— Talvez. Mas já deu a nossa hora. Terminamos a terapia por hoje. Estou atrasado para o meu outro trabalho.

— O doutor atende em outro consultório, tem uma clínica?

— Não, não. Sou taxista. Ao volante, ouço as pessoas de graça, por ouvir. Mas cobro a corrida e uma taxa extra por histórias. Quer aproveitar? Aonde a senhora mora?