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O jornalista do novo milênio

por Francisco Ornellas

Quase 20 anos atrás, em um seminário com professores da Universidade de Navarra, na Espanha, ouvi deles uma afirmação profética: a humanidade estaria então às vésperas de uma nova era. Assim como houve um tempo em que, na sociedade agrícola, a riqueza era conduzida pelos canais de água – os aquedutos – e outro, com o advento do petróleo, em que a riqueza era conduzida pelos canais de óleo – os oleodutos –, estávamos, em 1990, no limiar da Era da Informação, para a qual seria predominante, para o sucesso, os canais informativos – que eles denominavam de ‘informadutos’. Sucesso não apenas das empresas mas também, e principalmente, dos profissionais.

Confesso hoje, me era difícil compreender por inteiro a profecia dos mestres de Navarra. Criado no final dos tempos românticos do jornalismo, acostumei-me ao ruído intermitente dos telex, ao calor das linotipos, aquelas máquinas pré-históricas, ainda que incríveis e ao toque másculo das máquinas de escrever. E lembrei-me, de pronto, da surpresa que tive quando retornei à redação de O Estado de S. Paulo em 1990, da qual me havia afastado, dois anos antes, para satisfazer a curiosidade pela área de Publicidade.

Curiosidade satisfeita, descobri, por exemplo, que a similaridade entre a Publicidade e o Jornalismo é a mesma que existe entre a Medicina e a Veterinária, sem demérito para qualquer uma delas, setores tão importantes para a sobrevivência da espécie animal assim como o Jornalismo e a Publicidade são importantes para a sobrevivência da Comunicação. Mas, sem dúvida, diferentes: enquanto a relação das maiores agências de publicidade, em todo o mundo, é determinada por seu faturamento; a relação dos maiores jornais em todo o mundo é determinada por sua tiragem. O mercantilismo da publicidade, indispensável para a sobrevivência do nosso setor, não creio deva conviver de forma incestuosa com a atividade jornalística.

Quando deixei a Publicidade – curiosidade satisfeita – e retornei à redação, o primeiro susto foi descobrir que já não havia mais uma só máquina de escrever. No lugar delas, computadores. Eu, criado em meio ao tumulto que caracterizava as redações com máquinas de escrever até meados dos anos 80, vi-me de um momento para outro absolutamente impotente. Com vergonha, socorri-me de meu filho caçula, Frederico, então com 10 anos de idade e lhe pedi algumas aulas. O garoto percebeu o que eu não conseguia esconder: o constrangimento. E disse-me, em uma mistura da inocência da idade e do espírito solidário que caracteriza a infância:

– Não se preocupe, pai. Se eu aprendi rápido a mexer com um computador, você também aprenderá. Mas, você sabe fazer jornal e eu, se quiser, vou demorar muito a aprender isso.

Sim, eu senti orgulho de meu filho. Mas, sobretudo, fico-lhe ainda hoje agradecido pela lição. Pela lição que me permitiu um repensar de valores. Durante a primeira metade de minha carreira como jornalista, convivi com algumas realidades que pareciam eternas, definitivas. A mesma realidade que me satisfazia quando via impressa nas páginas de um jornal o resultado de horas e horas de trabalho na redação, submetia-me ao poder ditatorial daquele monstro que trovejava toda noite, cuspindo intermitentes cadernos impressos. Nós, jornalistas, tínhamos a sensação de sermos apenas meio de alimentar a máquina. Mas, maniqueístas, acreditávamos contraditoriamente que nós, jornalistas, éramos a alma única do jornalismo. Pobres mortais, alimentávamos então uma prepotência que, em tudo e por tudo, ia contra a humildade ética que deve pautar cada uma de nossas ações.

Por isso, em especial para mim, foi como um divisor de águas aquele seminário com os professores da Universidade de Navarra, no qual eles lançaram a profecia da Sociedade da Informação. Sim, o nosso trabalho, seja no jornal impresso em todas as suas formas, incluindo as revistas; seja nas rádios, nas televisões ou na web, é apenas o de provedor de informações, convivendo sob um respeito recíproco – não incestuoso – com a publicidade. O nosso campo é a informação editorial; mas as fontes de receita das empresas que nos abrem espaço incluem também a informação publicitária. Elas convivem com respeito, assim como a Medicina e a Veterinária. O equilíbrio não é uma utopia.

Eu vivia este rito de passagem, entre o jornalismo romântico e o futuro indecifrável, quando Júlio César Mesquita, diretor de O Estado de S. Paulo, contou-me de seus planos de criar um programa capaz de permitir aos jovens jornalistas o acesso a uma grande redação. O jornal O Estado de S. Paulo vivia, então, um processo de intensas reformulações. Era uma empresa sólida, rentável, com uma história de ação ética iniciada em 1875 e, há mais de 100 anos, dirigida por integrantes de uma mesma família. O processo de reformulação pelo qual passava a empresa, como acontece em todos os processos desse tipo, gerou alguns conflitos. Conheço poucas personalidades como a nossa, jornalistas, que tentamos nos qualificar como cavaleiros da nova era – a era de Aquarius – e são tão refratárias às mudanças.

Pois naquela época perto de 50% dos jornalistas do Estado haviam deixado a redação em meio aos processos de reformulação. Não havia, mesmo em São Paulo, cidade com 12 milhões de habitantes e uma imprensa ativa e em permanente desenvolvimento, um contingente de 100 jornalistas qualificados, para ser arregimentado em apenas poucos meses. O que ocorreu, então, foi que profissionais que deixavam a redação do Estado retornavam após algum tempo. Isto despertou a atenção de Júlio César Mesquita. Ele se questionou:

– Onde estão os novos profissionais? Precisamos encontrá-los e trazê-los para nós.

Este questionamento o levou à conversa à qual me referi há pouco. Eu havia, há alguns anos e antes de ir saciar minha curiosidade com a Publicidade, administrado com algum sucesso um processo de arregimentação de novos talentos para o Estado. Daí o convite que ele me fez para criar um programa de treinamento e qualificação de jovens jornalistas.

O convite me permitiu, hoje tenho certeza, iniciar um dos períodos mais gratificantes de minha carreira profissional. Permitiu-me fazer o rito da passagem entre o jornalista do passado e o jornalista que hoje se exige. E que, cada vez mais, se desenha para o futuro breve.

O Curso Intensivo de Jornalismo Aplicado, mantido há 18 anos pelas redações que integram o Grupo Estado, é hoje um dos principais provedores de mão de obra qualificada para as mais importantes empresas do País. Desde o início o definimos como uma iniciativa aberta, franqueada ao mercado como um todo. Não temos a pretensão de sermos detentores exclusivos dos novos talentos do jornalismo brasileiro. Oferecemos ao mercado, de forma aberta, o currículo de todos os jovens jornalistas que freqüentaram nosso programa de treinamento. E, com o mercado, disputamos a sua preferência. Temos sido bem sucedidos: cerca de 40% dos jovens que freqüentaram nosso programa integraram as redações do Grupo Estado. São mais de 200 jornalistas que arejam nossas redações, injetando-lhes o oxigênio da juventude e convivendo em harmonia com os veteranos.

Há alguns poucos anos, quando a ebulição do mercado imposta pelas empresas web promoveu uma migração forte nas redações, O Estado de S. Paulo foi, por certo, um dos veículos que a enfrentou com menos trauma. Para substituir os 80 jornalistas que, em três meses, migraram para as empresas web, tínhamos o Banco Estado de Talentos. A par, naturalmente, da satisfação pessoal que nos dá a constatação de termos ex-alunos de nosso programa, em posição de destaque, em todas as grandes redações brasileiras. E também no Exterior.

Um dos mais respeitados estudiosos brasileiros da Ética no Jornalismo, o professor Carlos Alberto Di Franco, costuma dizer – e escrever – que a gestão de uma redação não se limita, tampouco se esgota, no trabalho diuturno da coleta dos fatos e da sua edição, mas se amplia e se completa na busca diária e permanente, na busca incessante de descobrir e incentivar novos talentos.

E é exatamente isto que o jornal O Estado de S. Paulo vem fazendo há 18 anos, com o seu Curso Intensivo de Jornalismo Aplicado. Ao contrário, muito ao contrário do que ocorria há 20 ou 30 anos, o profissional que procuramos, treinamos e retemos em nossas redações ou entregamos ao mercado, não é apenas aquela pessoa afeita à leitura, curiosa como era a minha avó e, quase contraditoriamente, cultuadora de princípios éticos que a aproximam de um frade franciscano. Sim, o novo jornalista é tudo isso que nós próprios somos, mas é, também, um profissional comprometido com os resultados do seu trabalho que, no final, resulta nos resultados da própria empresa.

Para o jovem profissional, o computador de hoje, como a máquina de escrever e o linotipo de ontem; a impressora, a internet, as máquinas fotográficas digitais, os notebooks, os satélites e toda a parafernália tecnológica de que dispomos são ferramentas, não mais que ferramentas que nos permitem exercer nossa profissão. Atividade que tem um objetivo, um único objetivo: o consumidor da informação.

Aos jovens profissionais do jornalismo que acolhemos todos os anos em nosso programa e que são selecionados dentre os quase 3 mil que anualmente postulam um dos 30 lugares que oferecemos, insistimos, insistimos muito em que, a par do domínio absoluto do idioma e das ferramentas que lhe são oferecidas, eles devem assumir um compromisso ético por inteiro. O compromisso ético que propugnamos inclui, mas vai além dos princípios que nos foram legados pelos que fizeram do jornal O Estado de S. Paulo um sinônimo de jornalismo responsável e comprometido exclusivamente com o interesse coletivo. A ética que esperamos – e cobramos – dos novos profissionais é a ética não do envolvimento, mas do comprometimento absoluto com a qualidade no seu sentido mais amplo.

Assim como consideramos ética a luta do profissional por uma melhor qualidade de vida, cremos ética a sua preocupação com as variações do preço mundial do papel de imprensa. Como deve igualmente ser um compromisso ético a sua busca permanente pela própria evolução profissional. Ético é o jornalista que reivindica melhores salários, como ético é o profissional consciente de que o objetivo do nosso trabalho é chegar a tempo – e com qualidade – na residência dos nossos assinantes e nas telas do seu computador.

* Francisco Ornellas, jornalista, é coordenador do Curso Intensivo de Jornalismo Aplicado do Grupo Estado