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O que o tempo leva… (14)

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UMA NOVELA BLOGUEIRA (Foto: Jô Rabelo)

O amigo Felisberto abre o jipão que nos trouxe.

Deixa portas e o bagageiro escancarados a gosto do freguês.

Joga ali algumas trolhas que imagino ser próprias da viagem.

Não espero a convocação de retirada.

Entro sem cerimônia como se embarcasse numa tresloucada nave pronta a nos levar de volta ao passado.

Sensação mais do que estranha.

Tão bom ficar por ali.

Por que a ânsia em partir? Nem tudo que nos move tem ou carece de explicação.

Há mais mistérios entre o céu etcetcetc.

Espero mais alguns segundos até que Felisberto se aprume ao volante.

Não peço licença e já me aboletei no banco do carona antes que o faça algum aventureiro. Ajeito a mochila no assoalho, sob minhas pernas.

Fecho questão comigo mesmo: o assento é meu por merecimento e, vá lá, tempo de jornada.

Quem quiser que se escorregue pelos bancos traseiros.

Partimos.

Felisberto, imbuído das funções de motorista, não se mostra a fim de filosofias e conversê.

Entendo logo. Aos primeiros metros da estradinha de terra batida e cascalho, repleta de irregularidades e, mais adiante, curvas, arrisco dizer (para mim mesmo) que não teremos vida fácil nas próximas três horas, pouco mais, pouco menos.

Melhor não sofrer por antecipação.

Grudo o olhar, através da janela, na linha do horizonte. Deixo a visão fatigar-se entre montanhas, matas e o azul do céu, agora com laivos alaranjados que prenunciam a proximidade da noite.

Distraio-me a relembrar as conversas de hoje. O Ator e o Filósofo, que dupla! Quando e por que decidiram assenhorear-se do próprio destino?

É preciso coragem.

Uma grande desilusão amorosa, talvez.

O homem tem duas missões importantes. Amar e escrever à máquina. Escrever à máquina, com dois dedos. Amar, com a vida inteira.

Não sou o Filósofo, menos ainda o Ator, mas tenho lá meus arroubos de fraseador – embora aqui o fino pensar seja do saudoso cronista Antônio Maria dos tempos pré internetês.

Ninguém foge ao próprio destino.

Essa frase também é boa – devo ter lido em algum lugar.

Arrisco dizer que todos nós estamos em busca da tal felicidade, seja qual for o caminho que percorrermos.

Alguns aos solavancos como este agora.

O grilo é que quando ela (a tal felicidade) se dá, muitas  vezes, creiam, nãoa reconhecemos.

Verdade sem mentira.

Só depois, bem depois, diremos:

“Eu era feliz e não sabia.”

Há alguns muitos anos, mais do que eu gostaria de admitir, eu sempre faço a ressalva, o que me é um tanto desalentador…

Enfim, como eu pensava (dizia a mim mesmo), naqueles idos, andava eu por Valladolid quando entrei numa das tantas igrejas da cidade espanhola (não lembro se era a matriz) e o que vejo?

Uma madona com semblante sorridente, feliz, tão radiante que de pronto nos cativa.

Deu-me, confesso, um estranhamento.

Na base que a sustentava, anjinhos à parte, alguém escreveu com letras disformes e imprecisas:

Virgem da Alegria

Foi um susto quando a vi.

Demorou um tantinho até cair a ficha.

Resumo da ópera:

Não estamos acostumados a nos defrontar com a Santa Alegria. Um dom que nos era natural, espontâneo e, ao que parece, vem se perdendo.

Fiquei por ali, naquela capela, olhos atentos aos circundantes:

Há pessoas – e muitas, pra não dizer quase todas – que, mesmo depois de ler e reler a placa, não conseguiram entender o que ali se cunhou com todas as letras:

 Santa Alegria

Bendita Alegria

Bem vinda toda a alegria

Saem dali com ar sombrio, arrevesado, tipo:

“Isto não existe.”

Talvez o mundo atual tenha mesmo descartado a alegria de nossas vidas. A autêntica alegria. Das coisas simples, sensatas e sinceras como gosto de dizer.

Temos de estar aptos a atender as convenções.

Atender ao que esperam de nós.

Sermos politicamente corretos.

Ostentarmos um notável status social.

Não podemos sair pela aí a demonstrar emoções. Fragilidades, medos, dúvidas.

Assim nos fazem – e deixamos que o façam – mecanizados, objetivos, aparentemente poderosos – e, ao fim de tantas e tamanhas conquistas – tristes… Competitivos e tristes.

Robotizados e tristes.

Senhores da verdade e tristes.

Enfim…

Daria para escrever um livro sobre o assunto.

Talvez uma grande reportagem estaria de bom tamanho.

Um podcast, quem sabe? Está tão na moda…

Sair por aí dando palestras sobre o tema Essa tal Felicidade.

Eu, e minhas parlapatices!

Sejamos práticos:

Melhor mesmo seria chegar logo no hotelzinho de Barreiro – e dormir gostoso.

Um canto esquecido, por Pádua e TomChris…

1 Response
  • VERONICA PATRICIA ARAVENA CORTES
    5, maio, 2020

    Viver com alegria, que grande rebeldua e ireverente ousadia, de soltar o sofrimento e segurar o prazer do instante.

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