Sign up with your email address to be the first to know about new products, VIP offers, blog features & more.

O que o tempo leva… (34)

Posted on

UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Reprodução)

 

O ATOR, livre de toda e qualquer recaída de pisar num palco ou se embarafustar em novas encrencas por uma mulher. Ver para crer…

 

– Esta é a minha história. Triste história. Foi assim que voltei para o pedaço de chão onde nasci e me criei. E é assim que sobrevivo, senhor Carlos. Carlos, né? Carlos Artúlio, certo? Certo! Então, vou subindo e descendo a Bocaina, repasso minhas memórias, toco minhas modinhas na gaita… Este é o meu trabalho. Tendo saúde, o resto, com um tantinho de vontade, a gente ajeita na fé do Senhor, Nosso Deus. Amém!

Mais essa agora. É o jeitão melancólico – e algo fantasioso – desse Felisberto que me desconcerta ainda mais em meio a esse fio de estrada que me leva para o auto-exílio na Serra da Bocaina.

Sempre admirei a felicidade que a vida no campo demonstra impingir às pessoas que aqui vivem.

Será que me enganei?

Tarde demais, estamos a caminho.

Ver para crer.

Me aproximo dos 60, ator por profissão. Amo estar em cena, mas cansei…

Perdi a conta das vezes que subi num palco, encarei as câmeras de TV e os sets de filmagens. Vivi desde os clássicos shakespearianos ao muambeiro paraguaio num ruidoso Caso Especial para a TV. Conheci Adolfo Celli no auge do Teatro Brasileiro de Comédia (nunca houve mulher igual à Tônia Carrero, lindíssima), participei de algumas montagens do Teatro de Arena que mudou a história da dramaturgia por aqui. O Brasil em cena.

Declamei poemas num monólogo à época da ditadura.

Era o que se podia:

“Tudo vale à pena se alma não for pequena”.

Sobrevivi, enfim, aos trancos e barrancos num tempo em que a profissão, a mais linda do mundo, não possuía o glamour que hoje tem. Nunca recebi os astronômicos salários que a TV hoje paga a uma minoria de privilegiados. Não os condeno, por isso. Mas, minha lenda pessoal é outra: transformar a sociedade, fazer o registro de um tempo, dar consciência e vivacidade ao cidadão; pilares para a construção de um mundo melhor.

Algo aventureira a proposta.

Resumo da ópera: com meia dúzia de diálogos, queríamos, eu e os meus, mudar o mundo.

Confesso o paradoxo: não sabíamos – nós, os sonhadores – sequer administrar nossas vidas de homens comuns, falíveis, aburguesados. Éramos presunçosos, arrogantes por vezes, senhores da Cultura, grafada assim com C maiúsculo.

Os delírios, surrealistas ou não, desse senhor de botas de couro de cobra e chapelão não estão me deixando confortável, ainda mais dentro desse carrinho. Também me fazem sentir melancólico e, pior, amargoso.

Preciso desse tempo. Quero enfrentar a velhice com sabedoria e, principalmente, serenidade.

Cansei de competir com galãzinhos de trinta, quarenta anos, por papéis inexpressivos em novelas que são verdadeiras odes à imbecilização da massa. Cansei dos rigores das dietas, das batalhas na academia, do mundo fashion e marqueteiro que invadiu toda e qualquer montagem. “Vamos colocar tal caco no texto original, assim teremos o patrocínio de tal empresa”. “Vamos fazer isso por causa daquilo”. “Convida a Fulana porque assim a montagem tem chamada no horário nobre da TV”.

É por aí – e daí!

Ah, sem contar os diretorezinhos de merda.

Eles se acham gênios da raça. Que tudo na vida acaba em desbunde, happening, granfinalle.

Imaginam-se na Broadway.

Uns bostas de uns bem-nascidos que mal saíram da adolescência, mas sabem o caminho das pedras junto à mídia.

Qualquer bobagem que dizem vira manchete nas páginas dos cadernos de variedades – e isso é tudo o que um espetáculo precisa para arrastar multidões, fazer sucesso.

– Amigo, amigo, pare o carro, por favor. Preciso esticar as pernas por uns minutos. Tomar um ar.

(Esse vomitar de mágoas não me faz bem. Ando pelas tampas.)

Por isso (e também por um recente nocaute amoroso que ainda dói) peguei três ou quatro mudas de roupa, duas caixas de livros para reler (não confio em novos autores) e me mandei para cá. É uma experiência que surpreendeu aos poucos amigos que me restam. Aluguei um chalé nos confins da Serra, lá onde o sol bate e se inclina, num lugar de nome estranho Pousada do Morro Torto. Vou ficar por lá algum tempo. Seis meses, no mínimo. Pode ser mais, vamos ver. Quero total e absoluta distância da civilização.

A quase dois mil metros de altura, penso estar livre de toda e qualquer recaída para pisar num palco ou me embarafustar em novas encrencas por uma mulher.

Ou mais grave ainda: pela mesma mulher.

 

Ainda nenhum comentário.

O que você acha?

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *