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O que o tempo leva… (35)

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UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Wilson Luque)

 

QUEM ME VIU e quem me vê! Quando o motorista se pôs a tocar uma gaitinha de boca, pensei que estivesse fazendo figuração num filme de Fellini…

 

Cheguei absurdamente fora de hora em São José do Barreiro.

O que pude arrumar para subir até a pousada de nome estranho foi o Fuscão dessa figuraça.

Quem me viu e quem me vê!

A princípio pensei que os rapazes que me indicaram o transporte estivessem de gozação.

Dizem que o pessoal aqui é bom de pregar peça nos forasteiros.

Mas, não. Falavam sério.

Ajeitar as tralhas dentro do carrinho foi uma pantomima.

Quando o dublê de motorista e guia turístico se pôs a tocar a gaita, desafinado que só, mas num lamento triste, pensei que fazia figuração num filme de Fellini.

Impossível negar, o ator continua vivo em mim.

Me acompanhará onde quer que eu esteja.

Ele tirou o banco do carona. Para que eu possa estender as pernas e acomodar o mais confortavelmente possível os meus metro e oitenta de altura.

Tem ciência na ação.

Sacode pra lá, sacode pra cá. Mas vai que vai.

A estradinha começou bem. Agora já não sei se podemos chamar de estrada uma trilha de tropeiros. Está que é só cascalhos e crateras e curvas.

– Managgia, onde o grande José Augusto veio parar!

Esqueci-me de dizer: bem jovenzinho, ainda titubeante na carreira de ator, tentei ser galã de radionovela da Rádio São Paulo. Gilmara Sanches e Ézio Ramos eram os grandes nomes da emissora. Acharam meu nome, Carlos Artúlio, sem graça. Passaram a me chamar de Zé Augusto.

Durou pouco, a passagem do promissor radioator José Augusto por ali.

Queria mesmo viver a incrível ventura e aventura de estar no palco, com luzes e plateia. Preferencialmente, com todos os lugares ocupados.

Ser ou não ser, eis a questão.

E que questão!

Agora, por exemplo, quando o moço aí começou a falar da mulher amada, sinceramente, fiquei mexido. Bagunçou o meu coreto. Não gostei de início, depois percebi que havia ali uma identificação. Claro que ele viajou um tantão na narrativa. É um talento nato de contador de causo, diga-se.

Diria que a dramatização teve contornos de ópera-bufa, mas o que me pegou mesmo foi a dedicação com que ainda hoje cultua e valoriza esse amor que, na verdade, não chegou a vivenciar.

Foi estrada de mão única, igualmente sinuosa e áspera.

Tal e qual Dom Quixote e a musa Dulcineia.

Reconheço a nobreza do sentimento.

Uma provocação para mim. Que vivi amores tantos e tamanhos e nunca soube conservá-los. Talvez não os merecesse. É provável. Também por minha absoluta incompetência estou nesse aqui e agora.

Rumo a mais absoluta solidão.

Somos nossas escolhas.

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