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O tri do tetra

Sou um palmeirense desiludido, como todos. Mas, diferenciado quanto à rivalidade futebolística. Minha queda de braço não é com os corinthianos, como tanto se apregoa na mídia e acho mesmo ser um consenso geral entre ‘porcos’ e gambás’. Minha bronca maior é com sãopaulinos. Talvez seja de tanto ouvir meu saudoso pai falar que os torcedores ‘pó-de-arroz’ quiseram tomar o Parque Antártica no tempo da Segunda Guerra. E outras coisinhas mais que não convém dizer porque, em termos de futebol, o Velho Aldo pegava pesado e também porque não sei a grafia certa de tantos palavrões em italiano.

Scusare, pois.

Toda essa introdução faz sentido. Antes quero dizer que, não tiro um milimetro de razão do pai, mas sou obrigado a reconhecer que hoje os tricolores terão um domingo de festa. Chuvoso, mas de festa.

Certamente saem do Morumbi com o título de tetracampeão brasileiro e, que me perdoem os demais, o de ser o único clube "vivo" do futebol nativo. Os demais, que soem as trombetas, morreram e esqueceram de deitar. Faz algum tempo e por motivos trágicos: a incompetência e a desastrosa gestão de carcomidos administradores.

Em vista disso, e em homenagem aos novos e velhos amigos sãopaulinos, transcrevo a seguir o texto que fiz no longínqüo 9 junho de 1991, um dia depois do São Paulo se tornar tricampeão brasileiro.

Justifico o recorta-e-cola de hoje. Uma significativa parcela da torcida tricolor – especialmente a feminina – é formada por jovens que ainda não sentiram o gosto de ser campeões do Brasileiro. Ou eram crianças demais ou sequer haviam nascido. Os amigos que aí estão, certamente, vão gostar de rememorar a bela conquista, a primeira do time de Telê que fez história. Serve também para reverenciar amigos que já se foram – Made, Nasci, entre outros sãopaulinos ilustres – e deixaram uma bruta saudade para esse atrapalhado escriba curtir vida afora…

É isso… Vamos ao texto…

O TRI DO TRI

(AMIGOS, AMIGOS… FUTEBOL À PARTE)

Fim de jogo. O zero-a-zero não deixa dúvidas. O São Paulo Futebol Clube é tricampeão brasileiro. Iguala-se assim ao Internacional de Falcão e ao Flamengo de Zico na hegemonia de títulos nacionais. A cidade faz uma festa discreta. Poderia ser pior – pondero aos meus botões, com uma vaga referência ao que aconteceu no ano passado.

Logo imaginei os são-paulinos de GI em festa: o Made, a Nancy, o Deto, o Waltão, o Maucir. E o Nascimento, que faz tempo que não aparece por aqui, mas é tricolor dos mais fanáticos. Ademais,tem dois caras no São Paulo, que, particularmente, merecem a conquista. Um é o professor Telê Santana, o outro é o goleirão Zetti que andou lá pelo Parque Antártica e inspirou um determinado garoto, de nome Rodolfo, a ser goleiro.

Bem que o Telê precisava dar um troco nesse pessoalzinho de cabeça-pequena que vem lhe torrando a alma desde que perdeu o Mundial de 82, com a fama de pé-frio. Telê é um dos raros técnicos que trabalha sério, desde o fundamento até a estratégia de jogo. Aí vem um desses Mário Sérgio da vida a querer lhe ensinar o certo e o errado das coisas da bola. Até que foi ótimo essa volta por cima do Telê, gostei…

Quanto ao Zetti, basta lembrar o começo brilhante no Palmeiras. Ficou mais de 1.200 minutos sem tomar gols. Sempre dedicou o maior empenho ao clube e que injustiça lhe fizeram após recuperarse da fratura que sofreu na perna jogando pelo Palmeiras. Leão, então treinador, não lhe deu sequer a chance de disputar a posição com Ivan e Velloso. Foi relegado a um esquecimento que quase o fez
encerrar a carreira.

Zetti, colocado em disponibilidade pelo Palmeiras, viajou para a Suíça, mas não
acertou por lá. De volta, passou a treinar no São Paulo que resolveu contratá-lo por experiência. O falante Gilmar era o titular e não gostou da “sombra”. Chiou, estrilou e acabou perdendo a posição.

II.

Na manhã de segunda-feira, uma agradável visita já estava a minha espera. Na verdade, a caminho do jornal, já pensava em como pautar o tricampeonato do São Paulo. Inicialmente, levei em consideração que alguns sãopaulinos gostariam de registrar a alegria de torcer pelo melhor time do País. Só aqui, no Ipiranga, conheço grandes torcedores do Tricolor.

Quando cheguei à Redação ninguém menos que o doutor Marco Antonio Bezerra, médico ortopedista do São Paulo, conversava alegremente com o Made e o primo Alfredo Rangel. Entendi, no ato, que a questão estava resolvida.

Ninguém melhor que o pernambucano Bezerra para falar da notável façanha do Tricolor. Além do mais, Bezerra é um ipiranguista nato que iniciou sua carreira na medicina esportiva no nosso Clube Atlético Ypiranga, passou pelo Palmeiras e permaneceu durante mais de dez anos na Portuguesa. No São Paulo, está desde maio do ano passado, ressaltando que já participou de duas decisões.

“Aliás – foi logo salientando – o que mais “mexeu” com a moral do grupo nos momentos difíceis da competição, não tenho dúvida em dizer, foi a frustração de perder a final do ano passado para o Corinthians. Acho que o pessoal aprendeu muito com aquela derrota. Foi o que inclusive determinou o surgimento de lideranças naturais como as de Ricardo Rocha e Raí, que foram fundamentais para esta conquista…”

III.

Para o doutor Marco Antonio Bezerra, a certeza de que a equipe percorria a trilha certa do sucesso veio com a vitória de 3 a 0 frente ao Atlético Mineiro, em Belo Horizonte. Ali, ele diz, pôde perceber a supremacia do elenco Tricolor.

– Não é fácil vencer um time que tem talentos como os de Leonardo, Ricardo Rocha, Raí, essegaroto Antonio Carlos, Bernardo, Cafú, o próprio Macedo, Elivélton e que ainda contou com o reforço de um craque da estirpe de Muller. Um time que conta com o empenho tático de um Ronaldo, peça fundamental na guarda da defesa. Só com o Ronaldão, ali na frente da zaga, é que o Leonardo pode se projetar como o mais perfeito ala do futebol brasileiro. Um time que deixa no banco Zé Teodoro, Mário Tilico, Flávio… É mesmo o melhor time do Brasil. E, com o título se faz justiça…

Um capítulo à parte nesta campanha foi o comando de Telê Santana. “O mineiro é duro naqueda” , diz Bezerra e acrescenta:

– Ele é um perfeccionista. Acima de tudo, ama o futebol. Está milionário. Não precisa mais da bola. Mas, trabalha com a gana de um iniciante. É exigente. Entretanto, se pede algo ao jogador, mostra como, e porquê, deve ser feito. Ainda nesta campanha, ele soube como unir os jogadores, apesar das naturais diferenças que sempre surgem. E, o que é mais importante, revelou-se um homem
aberto ao escalar, no jogo decisivo, o Zé Teodoro após consultar os principais líderes do elenco. Em nenhum momento, sua autoridade de comandante foi arranhada. Ao contrário, seu bom conceito só cresceu com a moçada…

Bezerra lembra que já trabalhou com grandes técnicos, nomes que fizeram a história do futebol brasileiro. Citou Travaglini, Brandão, Otto Glória, Jorge Vieira, entre outros. “Telê Santana incluo entre os melhores” – acrescentou.

IV.

Ao longo da temporada, o trabalho do Departamento Médico – que reúne, além de Bezerra, os médicos Gilberto Calazarte, Arnaldo Ferreira Neto e o clínico geral
Hélcio Freitas – foi no geral tranqüilo. Houve o acidente de automóvel que envolveu os ex-juniores Mazinho e Anilton, que tragicamente deixou o Mazinho tetraplégico. O Anilton já voltou às atividades normais.

Houve também a distensão do Muller, um grave problema muscular. Mas, o DM conseguiu contornar e colocá-lo apto para participar dos dois jogos finais. E mais recentemente a questão do Zetti que jogou as partidas frente ao Bragantino, do técnico Carlos Alberto Parreira, com fortes dores no ombro.

– Acho que, além do atendimento que damos aos atletas, é muito importante a confiança quedepositam em nosso trabalho. A bem da verdade, gostaria de acrescentar que o São Paulo é mesmo um grande clube para se trabalhar. Sua estrutura é incomparável dentro do futebol brasileiro. E não é por acaso que é o time de melhor pontuação no ranking do futebol brasileiro desde 1.970…

V.

Antes de se despedir para começar seu dia de trabalho na Clínica de Medicina Esportiva que mantém, com o irmão Caio Mário Paes Bezerra, aqui no Ipiranga, doutor Marco Antonio ainda falou da festa que aconteceria na noite de segunda-feira no Gallery e que reuniria os tricampeões e alguns tricolores ilustres. “Vocês são meus convidados” – acrescentou, gentilmente.

Percebi que o Made se entusiasmou, mas meu coração palmeirense batucou que não suportaria tanto.

– Tô meio gripado, é melhor ir cedo pra casa. Obrigado. Fica para o próximo…

Nota do Autor:

Mal sabia eu que o próximo seria 15 anos depois. Quanta coisa mudou nesse tempo. Nem queiram saber. De igual só mesmo a ‘velha’ gripe como desculpa para escapar de situações constrangedoras. Hoje, não ouço rádio, não ligo a TV, não atendo celular e detesto futebol. Atchim!!!