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Olha o devolteio!

Sobre a crônica “Devolteios”, postada aqui no domingo, dia 20, uma leitora me pergunta se tenho “memória de elefante para lembrar tantos detalhes de tempos idos" ou se, vamos no popular, invento tudo aquilo que escrevi?

Nem tanto ao céu. Nem tanto à Terra. Estou quase a remedar, na resposta, o célebre apresentador de TV – na verdade, nem tão célebre assim:

– Caríssima leitora, eu aumento, mas não invento.

Mas, deixamos de mariolas – e sejamos sincero. Afinal, convenhamos, o tal rigor científico – em que tudo precisa ser comprovado, como dois e dois são quatro – passa distante deste espaço mágico chamado blog.

O texto supracitado, porém, é a mais pura verdade.

II.

Voltei ao Cambuci na manhã de domingo, como quem volta ao lugar onde nasceu. Para buscar algo que, munda afora, não encontrou – e agora, teme, nunca encontrará…

Visitei a paróquia Nossa Senhora da Glória, depois dei uma geral pela região e almocei na tradicional Cantina 1020, da rua Barão de Jaguará. Natural que aflorassem recordações de tempos idos e vividos, saboreados na ingenuidade do ontem, com sabor de amanhã.

As histórias do Padre João eram aquelas mesmas. Ele era bravo, muito bravo. Mas, paroquianos de todas as idades reconhecíamos a autoridade e o cheiro de santidade que lhes eram característicos. Sermões, puxões de orelha e penitências tinham procedência e projetavam o bem comum e o caminho da virtude.

— É um santo homem, diziam os fiéis.

Quanto as camisas dos times nos quais joguei, também são marcantes na minha memória. Era uma honra envergá-las. Uma conquista e tanto ser escolhido para defender as cores de tão magnânimas agremiações.

Não há invenção nesses relatos, não.

São reminiscências de um homem nostálgico a andar pelas ruas do bairro, onde nasceu, cresceu e foi-se embora antes dos 18.

III.

Ainda sobre o texto de domingo, ressalto três sentidas ausências: os irmãos maristas Justino, Mário, Demétrius e Fidélis. Também eram rígidos com a gente. Mas, em compensação, adoravam futebol. Estava fora do jogo de domingo quem não entrasse para o ‘Quadro de Honra” de alunos que tiravam acima de sete. Era um esforço danado para, no domingo, estar a postos com a alvi-celeste do Glória.

Só faltou mesmo dedicar a eles esses dois textos, o de domingo e o de hoje.

Aliás, aproveito para agora fazê-lo…

VI.

Mais sobre essas lembranças.

Minha mãe me garantiu: há uma terceira capela na paróquia Nossa Senhora da Glória e eu não a visitei. É em louvor à Santa Rita. Só que não está acoplada à igreja, como a de Nossa Senhora de Lourdes, mais antiga, que data de 1891.

A da santinha das causas impossíveis tem entrada independente – e, em seu interior, havia as tais aulas de catecismo.

Não sou nem louco de discutir com a dona Yolanda. Como tão cedo não devo voltar lá, acredito e dou fé.

Benção dona Yolanda! Que memória, hein!

V.

Uma outra discussão surgiu a partir do título da crônica. Devolteios.

Confesso que consultei o dicionário para ver a grafia correta. Existe apenas volteio, que é fazer girar, dar voltas e, no sentido figurado, enrolar. No entanto, optei por colocar o “de” como prefixo por um simples motivo, que narro a seguir.

Enquanto escrevia, lembrei de uma dupla de cantores/humoristas sertanejos que fazia enorme sucesso à época. Chamava-se Alvarenga e Ranchinho e aparecia nos programas de auditório da TV Record e também se apresentavam em circos e nas rádios.

Eram uns gozadores. Arrepiariam ainda mais os cabelos dos breganejos de hoje que se acham cawboys e não caipira. Um alto, outro pequenino. Usavam chapéu de palha, botina do Jeca, calças com barras pela canela e cintura no umbigo. Sem falar, óbvio, da tradicional camisa xadrez. Bigodes pintado a carvão no rosto. Faziam o gênero Mazzaropi, de matutos ingênuos, mas esperto que só ver.

Tirei deles a expressão “devolteio”.

Em meio a suas sátiras músicadas, quando a piada era um tanto quanto forte, o Alvarenga usava um expediente para fazer com que a platéia saboreasse o desfecho e o riso escrachado. Em tom imperativo, convocava o parceiro:

— Olha o devolteio!!!

E Ranchinho se punha a dançar com passinho miúdo, desengonçado e maroto. Óbvio, sem largar a viola.

A platéia ria ainda mais, a valer.

VI.

Foi o que fiz domingo.

O torniquete das desiluções deu um giro a mais. E lá fui eu, com passo desengonçado e maroto, rever velhos abrigos na dança da dança que o tempo tem. Dei lá meus rodopios e saí um tanto reconfortado do passeio. Mas, ainda sem a espontaneidade de um sorriso, miúdo que fosse.

Talvez me falte a viola. Mas, insisto no cantar.

[Texto editado e publicado no livro “Volteios – Crônicas, lembranças e devaneios”]