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Operação Portugal *

O Ministério das Boas Maneiras e do Bom Tom informa:

ESTE POST NÃO É RECOMENDÁVEL A MENORES DE 14 ANOS.[
PODE CONTER UM QUASE PALAVRÃO NO FINAL.

(…)

Recomendação feita, comecemos nossa história.

Aviso logo que pertencia aos quadros redacionais do jornal onde ocorreu o fato – de inglória memória – mas, que fique claro!, não foi meu o vacilo.

Confesso que assustei um tantinho quando tudo aconteceu.

Mas, hoje, quando lembro, dou muita risada.

Seguinte…

I.

Numa bela tarde de um dia qualquer, chegou à mesa do editor uma chamada OP.

Para os leigos no jargão das redações, OP significa Operação Portugal.

Não me perguntem o por quê.

Chamam assim as matérias de cunho publicitário ou que tenham algum interesse não-jornalístico, encomendadas por algum figurão ou pelo departamento comercial ou pelo dono do jornal que não deixa de ser um figurão. A diferença é que o figura paga os nossos salários; por isso, não vale a pena contrariar

II.

Querem ver os mecanismos que nos levam a uma OP?

A conhecida da irmã da namorada do filho do dono do jornal escreveu um livro sobre “Dicas de Como Ser a Conhecida da Irmã da Namorada do Filho do Dono do Jornal e Ser Feliz”. Aí chega uma OP na mesa do editor vinda diretamente da secretária do filho do dono do jornal para que se “cubra o lançamento dessa importante obra”.

No jornal do dia seguinte, pode até sair apenas umas cinco ou seis linhas em Notas, num canto qualquer do caderno de cultura. Mas, é indispensável a presença do repórter e do fotógrafo na noite de autógrafos. Para dar aquele status de celebridade à moçoila e espocar alguns flashs na fuça da dita-cuja e de seus convidados, incluindo aí o filho do dono do jornal.

III.

Me dizem hoje que as redações andam enxutas. E o repórter está livre da sina.

Mas, o fotógrafo e os BLs são indispensáveis.

Tecla sater:

BL quer dizer “banho de luz”.

À época em que as câmeras não eram digitais – portanto, usava-se filme –, era uma espécie de diversão com os chamados ‘papagaios de pirata’ sair dando flashs em todos os presentes, mas sem filme na máquina. Eles ficavam felizes e na manhã seguinte corriam às bancas para ver se saíra a foto que, na verdade, nunca existiu.

Mas, voltemos à nossa história para não me perder em reminiscências.

IV.

Esclareça-se. Eram mais comuns as pautas de algum anunciante. Para encher a bola do cara e assim, com o ego devidamente lustrado, anunciar mais e mais.

Foi uma dessas OPs que chegara naquele dia.

Dizia o seguinte em termos gerais:

“Fazer uma entrevista com a esteticista Fulana de Tal, rua X, número Y, às tantas horas. Sem Falta. Ela vai falar sobre a inauguração recente e o funcionamento da Clínica Estica e Puxa (nome fictício, claro). Teremos a última página inteira (o jornal era tablóide) dedicada à empresa. Levar fotógrafo. Importante: não usar “chapéu” de Informe Publicitário.”

V.

Óbvio que ninguém quis fazer a tal matéria.

Repórteres entravam e saíam – e o editor tentava aliciá-los. Primeiro, tipo chefão mesmo. Na base da imposição. Com as negativas sucessivas, ele aliviava. No fim, estava quase implorando.

Mas, o pessoal continuava convicto:

— Quer mandar embora, manda. Mas, não vou fazer.

VI.

Diante de tantas recusas, o editor até pensou em improvisar. Se a tal clínica tivesse um folder ou qualquer outro material publicitário, ele mesmo daria uma requentada no texto e mandaria ver.

Como se dizia à época, se não tem tu, vai tu mesmo…

Mas, para a salvação de todos, até porque o clima já estava ficando tenso, apareceu um abnegado redator de variedades.

Abnegado, até a página dois.

Para se livrar do roteirão das atrações do fim de semana, o cara topava fazer a matéria comercial.

VII.

Convencer os fotógrafos foi mais tranqüilo.

Bastou dizer que haveria mulher na parada, todos se assanharam. Imaginaram as moças de biquínis fazendo bronzeamento artificial ou mesmo deitada nas camas sendo massageadas e outras situações tão sumárias quanto.

Como disse, todos se assanharam. Mas foi um só o escolhido.

VIII.

A dupla dinâmica partiu para a heróica e jabazenta jornada.

Hora e meia depois, estavam de volta.

Calados partiram, calados chegaram.

Estávamos empenhados em nossos afazeres – e ninguém mais se deu conta da OP da última página. Alguns até saudaram:

— Uma página a menos para ‘fechar’.

IX.

O rapaz fez o texto sem maiores angústias, esperou que as fotos chegassem, enfiou tudo num envelope amarronzado – e mandou para o comercial. Que iria desenhar a página.

Faria o lay-out, como gostavam de dizer.

Página rabiscada no diagrama, foi para o past-up (só os antiguinhos saberão do que estou falando) para ser montada. Ninguém dando a mínima para a dita-cuja.

Na Redação, dizíamos:

— É anúncio. A Publicidade que cuide!

A Publicidade rebatia:

— É matéria. Coisa da Redação!

O secretário gráfico berrava aqui e acolá.

— Quem vai bater as emendas da última página?

(Tradução: revisar para ver se estava tudo nos conformes.)

Ninguém respondia.

X.

O tempo comendo solto.

As páginas fechando e ‘pobrezinha’ ali à espera da liberação.

XI.

Preciso dizer?

Mandaram a página descer para a fotomecânica e impressão sem checar.

Quem foi?

Até hoje paira o mistério.

XII.

Claro que o pacote dos originais desapareceu, sem deixar vestígios.

E, olhem, que não faltaram ameaças de demissão em massa em todos os departamentos da empresa. Do contínuo ao editor, que insistia em dizer que a página era responsabilidade dos “gravatas” (o pessoal da Publicidade). Do revisor – que jura ter lido a frase correta – ao chefe da Publicidade que teimava em culpar os jornalistas.

— Esses irresponsáveis! Nós é que pagamos o salário deles. Sem anúncio, o jornal não sobreviver…

Um bate-boca inesquecível naquela manhã de sexta-feira.

XIII.

O inevitável aconteceu.

A dona da Clínica Estica e Puxa, acompanhada de dois advogados, chegou chegando ao prédio do jornal. Atropelou os seguranças e foi direto para o andar da Diretoria. Trazia uma edição do nosso combativo jornal amarfanhada em uma das mãos e os olhos crispando fogo. Invadiu a sala do manda-chuva e soltou o verbo.

Queria que a edição fosse recolhida. Pediria uma indenização milionária. Processaria o jornal, quem escreveu, quem pegou o anúncio, quem revisou, quem imprimiu e quem mais tivesse participação naquela “cafajestagem” – palavra empregada pela senhora que, aparentemente, era de fino trato.

XIV.

O que aconteceu?

Um errinho comum de digitação, talvez.

Lá no meio da página, onde deveria estar escrito:

“Nossas fisioterapeutas atendem, sem compromisso, com hora marcada. Venha visitá-las.”

Saiu:

“ Nossas fisioteraputas atendem…”

XV.

Foi um barraco!

[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]