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Plínio Marcos. Um maldito cuspindo fora a cultura importada

Fruto maduro de uma inopinada coincidência, a entrevista com Plínio Marcos, teatrólogo, ator, jorna¬lista, escritor, sambista e muitas mumunhas mais neste mundaréu, deve ser atribuída aos caprichos especiais da obstinação jornalística. Na verdade, há algum tempo já se matutava sobre a possibilidade de um encontro com esse que é um personagem sempre polêmico, sempre atuante da cultura nacional. Mas em todas ocasiões se tropeçava na falta de referências quanto à sua atual localização.

Superado esse empecilho, às custas de, digamos assim, um “feliz esbarrão”, pôde-se, af¬inal, entrevistá-lo.

Com o olhar de um ex-malandro, sorrateiro à espreita de possíveis agressões em forma de perguntas, Plínio foi respondendo, com a desenvoltura de um conferencista experimentado, a Clovis Naconecy de Souza e Rodolfo Carlos Martino, do Jornal da Mooca, toda a uma bateria de questões que estavam engasgadas sobre a cultura nacional e seus pontos de visto a respeito, Sempre com a retina baixa, as pálpebras pesadas com todo o fardo de uma geração sufocada em sua livre expressão, resultado de toda uma vida, como ele próprio diz, “denunciando todas as coisas que a gente vê”.

– Plínio, você está fazendo atualmente o quê?

PM – Atualmente (março de 1978), eu tenho duas peças em cartaz. Uma chamada “O Poeta da Vila” que está aqui em São Paulo há nove meses e outra que está correndo pelo Brasil que é “Os Dois Perdidos Numa Noite Suja”. Ao lado disso, meus livros estão vendendo muito bem… eu vivo folgado.

– O que você se considera mais precisamente: um teatrólogo, um ator, um jornalista ?

PM – Pelas circunstâncias, eu aprendi a brincar nas onze, né? Sou autor, sou jornalista, sou ator, autor teatral, radialista, uma porção de coisa. Sou romancista. Por função das circunstâncias, acabei me esforçando nas onze e dando certo.

– Seria interessante fazer uma retrospectiva de como você começou, dificuldades…?

PM – Eu nasci em Santos em 1935, tenho, portanto, 42 anos. Comecei minha carreira artística no Pavilhão Teatro Liberdade como palhaço, trabalhando cinco anos no circo. Depois passei a escrever e logo a dar trabalho para a polícia. A primeira peça, “Barrela”, esta proibida até hoje já faz 18 anos.

– Essa peça falava em presídios?

PM -Presídio, exatamente. O que é pena, pois é apenas uma reportagem de dezoito anos atrás, mas que ainda tem valor hoje porque a realidade brasileira não se alterou. Muito pelo contrário, só piorou, né?

– Esse último musical seu “O Poeta da Vila” fala especialmente da vida de Noel Rosa. Seria oportuno que você lembrasse o show anterior onde, além do humor, fazia uma espécie de divulgação do samba paulista?

PM – “Plínio Marcos e os Pagodeiros. O Humor Grosso e Maldito das Quebradas do Mundaréu” era uma tentativa de se criar espaço para os compositores autênticos do samba de São Paulo, como Toniquinho Batuqueiro, Talismã, Geraldo Fiume, Zeca da Casa Verde, Paulinho Carneiro, Silvio Modesto, essa turma aí.

– E o resultado?

PM – Foi muito bom. Gravamos discos. Fizemos novela na televisão, e outros programas. Realizamos uma porção de coisas. Acontece que enquanto a gente não tiver posse do mercado brasileiro, enquanto nós vivermos de importação de cultura de consumo, nada vai ser bom para o artista brasileiro.

– Li uma entrevista, você fazendo uma comparação entre cultura erudita e cultura popular. Explique isso?

PM- Eu não fiz essa comparação, não. Eu disse que os intelectuais brasileiros são marginais de classe média que querem ganhar status através da cultura. E por isso mesmo eles só dão importância para a cultura erudita, desprezam a cultura de massa, a cultura popularesca e desconhecem totalmente a cultura popular.

– No ano passado tivemos o caso do Macumbinha (violonista negro que morreu no anonimato), você poderia colocar a situação do músico brasileiro. Naquela ocasião, lembro, você escreveu uma crônica a respeito da morte desse músico.

PM – A posição do músico é a de todos artistas, de todos nós. São 172 filmes estrangeiros na televisão brasileira por semana. 80 % das músicas que tocam nas rádios são estrangeiras, todos os dias. São 9.600 filmes estrangeiros contra 100 filmes brasileiros por ano no Brasil. Então, tudo isso, evidentemente, nos tira o mercado de trabalho e as pessoas vão acabar, como Macumbinha, se matando por desespero, por não poder sustentar a família, só com o exercício de seu ofício, de sua arte.

– Você é a favor dessa lei de obrigatoriedade?

PM – Não. Sou contra que entre lixo estrangeiro. Por que lixo estrangeiro? Por que nós temos que ter leis que protejam o filme estrangeiro? Em nenhum país civilizado do mundo você protege a importação de cultura de consumo. Só no Brasil, que aqui as classes dominantes vivem de vender café ao estrangeiro. E para o estrangeiro comprar café a gente tem que comprar a cultura de consumo deles. E nós estamos gastando mais na cultura de consumo do que na importação de petróleo. O que evidentemente é um empobrecimento econômico para o país, além de ser um empobrecimento cultural de nosso povo. Que essa importação de cultura está esmagando nossas manifestações mais espontâneas.

– Sua opinião sobre cinema nacional?

PM – Cinema nacional não pode existir porque não tem mercado. Se eles passam 9.600 filmes estrangeiros contra apenas 100 brasileiros, como é que vai se formar uma indústria cinematográfica? Porque quem decide o que deve ser visto por nós, brasileiros, é o exibidor, geralmente tem um traidor da pátria, um ignorantaço ganancioso ou então o distribuidor que é um mero testa-de-ferro das multinacionais do cinema. Então nosso cinema não pode existir, mão pode ter sua linguagem própria. Nós temos que conquistar nosso mercado de trabalho, para depois discutir cinema.

— Qual a importância do teatro brasileiro hoje?

PM – O teatro brasileiro não faz nenhum sentido ao prezado momento, porque ele não é uma tribuna livre onde se possa discutir, até as últimas consequências, o problema do homem brasileiro. É um teatro subvencionado pelo governo, e qualquer arte atrelada a quem detém o poder é uma arte menor, muito menor. Não pode nem fazer seu papel de ser crítica da sociedade. Ao lado disso, a censura, que é um braço do colonialismo cultural, constrange os artistas que gostariam de discutir a realidade brasileira. Então, gera essa onda de obscurantismo, que envolve nosso país.

– Atualmente, quantas peças você tem censuradas?

PM – Quantas eu tenho ou…

– Ou quantas foram liberadas ?

PM – tenho duas peças em cartaz. As que não estão em cartaz ou estão proibidas ou estão sem alvará que é a mesma coisa. Pois não pode ser encenada. Ao todo, escrevi até agora 22 peças.

– Você sempre foi muito visado pela censura. Por quê?

PM – Bem, eu não me componho, não aceito com facilidade. Muito menos escrevo fazendo auto-censura. Então, sempre cria atritos. Agora eu não sou sambista, mas mesmo no mundo do samba eu já fui proibido. Por exemplo, a Mocidade Alegre do Bairro do Limão ia trazer uma alegoria, certa feita, com uma frase minha e a censura proibiu.

– Qual era a frase?

PM – Era: “Um povo que não ama e que não preserva suas formas de expressão mais autênticas jamais será um povo livre”.

– Você se acha um homem realizado?

PM – Se eu me achasse um homem realizado eu deitava e morria, né? Não pode haver nenhuma realização para nós, enquanto o povo brasileiro estiver nesse estado de miserabilidade em que se encontra. Impedido até de participar da sua história, e impedido de influir no seu próprio destino. Como faço parte do povo, também estou constrangido. Igualmente, né?

– E como anda o Plínio Marcos jornalista?

PM – Como jornalista, eu fui posto pra fora das “Folhas”, da “Veja”, do “Placar”, da “Última Hora”. Enfim, fui posto para fora de todos os lugares que eu trabalhei, e nunca foi pelo patrão, pelo diretor. Sempre foram pressões externas, o que pra mim é motivo de orgulho. Uma vez que sempre incomodei escrevendo… Essa é a minha finalidade, a finalidade de todos aqueles que trabalham com pensamento, com o intelecto, é ser perigoso. Se o intelectual não for perigoso, não tem nenhum sentido. E eu não posso nada, mas eu sei que incomodo.

– Como conferencista, no entanto, você está se saindo bem, não é? Parece que em média você realiza umas 40 palestras em faculdades. É isso?

PM – Ano passado, fiz 60 palestras em faculdades. E esse ano já vou pra oito, com mais 30 marcadas. Eu falo sobre as necessidades culturais do povo. Abordo o problema do rádio, cinema, música popular, lazer, futebol, todas essas coisas.

– Plínio, é definitivo isto: com a censura não há escapatória, não há possibilidade de sobrevivência de nenhuma forma espontânea de cultura popular?

PM – Nem com a censura, nem com o elitismo das classes dominantes. No Brasil, o que a gente tem que fazer nesse momento é funcionar como incentivador do povo, para que ele participe de sua história. Tudo o que está aí, tudo o que se fala de política, são sempre grupos discutindo pra ver quem vai ser o próximo tutor do povo. A gente não quer isto. A gente quer que o povo participe de sua própria história.

— Plínio, quais as pessoas que você admira e que apesar de todas as pressões conseguiram se manter honestas em seu comportamento?

PM – Ah! Mas isso é evidente. O obscurantismo é muito grande, as pessoas fracas vão se degenerando, vão enveredando pelos caminhos do escapismo, mas em compensação surgem os grandes gigantes. Nós poderíamos citar dom Paulo Evaristo Arns, que é uma figura maravilhosa, um espírito iluminado, tem sido um realmente um bom orientador. Eu poderia citar o frei Beto, que está fazendo um trabalho maravilhoso nas favelas de Vitória. Eu posso citar esse homem de valor extremo que é o Hélio Bicudo. Poderia citar, no meio jornalístico, vários colegas, entre outros o Mino Carta, por exemplo, que tem se portado com extrema dignidade. Ele não é o único, outros também têm. E assim por diante. Nessa época vão surgindo os verdadeiros gigantes que lutam pelo direito humano, que vão dar uma contribuição decisiva para que a humanidade dê um passo a frente.

— Você tem alguma previsão do que vai fazer futuramente? Você está preparando algum livro outra peça…

PM – Sempre estou escrevendo. Agora estou escrevendo um livro. Ainda nem sei como classificá-lo, se romance de denúncia, de testemunho, sei lá o quê. Chama-se “ Na Aldeia do Desconsolo”. Continuo também fazendo conferências aí por todo o interior e mesmo em outros estados.

– Quando da proibição de “Abajur Lilás”, como é que foi exatamente. O que sucedeu? Parece que a peça estava prestes a entrar em cartaz…

PM – É, eles quiseram ver a peça pelo ensaio geral. Então, teve que fazer a produção toda e na hora do ensaio geral eles proibiram. É um direito que eles têm, dessa regra, desde que a gente se submeta a regra do jogo, eles têm esse direito.

— Uma questão também bastante complexa no Brasil: o direito autoral. O que você acha disso?

PM – No que se refere ao direito autoral do autor teatral posso dizer que no Brasil ele é correto em 80%. Agora, o pessoal da música reclama muito, é realmente um escracho. Como autor teatral, não posso me queixar pois tenho recebido.

– Ao que se vê, esse é um problema específico da área da música popular…

PM – O ECAD, né? Todos os compositores estão chiando porque o sistema de recolhimento e a distribuição dessa verba são precários e dão margem a mil tramóias.

— O que você faria se, por exemplo, lhe fosse dado o poder de dirigir o País?

PM – Eu como artista jamais ficaria no poder. Ficaria sempre contra o poder. Sou um crítico da sociedade e jamais ficaria atrelado ao poder.

– De que forma você lutaria contra esse poder?

PM – Da mesma maneira que luto agora, denunciando todos as coisas que a gente vê.

– Essa é a arma mais eficaz?

PM – Não sei se é mais eficaz, mas é minha função. Seria ridículo um escritor oficial