Conviver com os homens é mais sensível que com os deuses.
E ninguém conhece epopéia mais dolorosa que a de moldar, dia a dia, clara e verdadeira, a fugitiva condição humana.
Não basta pregar: é necessário fazer, para que os homens se convençam.
Não basta fazer entender: é necessário provar.
No matrimônio do céu com a terra, se o céu pede à terra que suba, a terra exige que o céu baixe.
Todos os mártires o sabem.
E nenhum mártir se poupa.
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Em fotografias pálidas, entre notícias frívolas, com os anúncios reiterados dos jejuns, Ghandi ia sendo um hábito superficial, na informação de cada dia.
Os homens não viam naquele corpo sem roupa e sem carne o despojamento do mundo, das ilusões, do fortuito e alienável.
Não viam que aquilo ia se reduzindo ao pequeno barro de uma candeia para a qual o importante é só a luz.
Os homens não se lembravam do que aquela figura, esquema sucinto do Homem em eterna vigília por uma humanidade melhor – era o que ensinara a Não-violência, a vitória da reflexão sobre o impulso, do espírito sobre a matéria, da vida sobre a máquina…
*Trecho do discurso proferido pela escritora Cecília Meireles, no Ministério da Educação (Rio de Janeiro), na tarde de 2 de outubro de 1948, durante a cerimônia de 79º aniversário de Mahatma Ghandi, nove meses após a sua morte.
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Encontro na taluda biografia de Ghandi, que tenho em mãos, o entreato apaziguador das aflições que nos chegam de todo o mundo – não só do Brasil.
É aterrador, logo pela manhã, tomar conhecimento de outro massacre – desta vez, em uma mesquita na Nova Zelândia (49 mortos).
Mais um trágico desatino.
Até quando?
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Ghandi, o apóstolo da paz, nasceu há 150 anos.
Há mais de 70 anos, o depoimento de nossa veneranda escritora, poeta, cronista, notável brasileira, fez o alerta sobre “a eterna vigília por uma humanidade melhor” que Ghandi propagava – e ainda hoje se faz (ainda mais) urgente.
Que o legado de Ghandi nos inspire nesses tempos tão sinistros, tão obscuros.
O que você acha?