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Sozinho

Quinta-feira, dia 11 de junho de 1999.
Chego à redação de Gazeta do Ipiranga
para fechamento de mais uma edição.
Nada de anormal, ok?

Não por isso. Reparem a data.
Perceberam?
Vejo a página do Dia dos Namorados,
um escândalo de ‘politicamente correta’.
Só casais lindos, maravilhosos, sorridentes, felizes.

— Ei, ei a vida não é só isso, né – pergunto a todos e a ninguém.

— Como assim?, alguém responde.

— E o outro lado. Jornalisticamente, precisamos ouvir o outro lado…

— O Rodolfo endoidou – ouço disfarçadamente alguém comentar.

— E os caras que não têm ninguém, insisto…

— Ai, meu Deus, não dá mais tempo. O jornal está ‘fechando’ – diz
a diagramadora Marina, já antevendo que iria sobrar para ela.

No rádio, ouço a canção "Sozinho", do intrépido Peninha,
na versão básica (banquinho e violão) de Caetano Velloso.
Era o sucesso da época. Subito, tenho uma idéia que
virou crônica e hoje transcrevo aqui
– e, como naquele dia, não ousem me perguntar
o porquê. Ou por quem…

II. A crônica

"A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida."

Pois é companheiro(a) avulso(a) que, como eu, vai passar o 12 de junho olhando as estrelas — e só as estrelas, se estrelas houver para você na noite do Dia dos Namorados. Não tenho qualquer receita para lhe passar. Nada a recomendar. Nem quero induzi-lo a enfrentar de peito aberto a agressividade, digamos, publicitária institucional que a data sugere nesses dias. Não adianta falar para você fingir que não está nem aí, fugir, se esconder, viajar, entrar em órbita. Sempre haverá uma lua no céu a lembrar que nem sempre foi assim. Uma lua no céu a lembrar que é 12 de junho, Dia dos Namorados; a lembrar a dor das coisas que se perderam.

Se quiser uma sugestão, tente encarar com naturalidade. Pense na economia besta do presente que não foi preciso comprar. Imagine — ou não? — que o pior já passou e amanhã, como diz uma velha canção do autor da moda, Peninha, certamente eu vou ser mais feliz.

Ah! Se me permite, agarre-se ao bom-humor. É nossa tábua de salvação. Ria de tudo, inclusive se ache meio-que-rídiculo ter se imaginado que podia, fazia e acontecia.

Eu que comecei citando Vinicius de Moraes e fui longe demais com o autor de "Sozinho" que Caetano consagrou, tomo agora a liberdade de narrar uma exemplar história do nosso maior cronista, Rubem Braga. Aí vai…

Certa vez, uma leitora o questionou sobre o ceticismo que sempre revelava ao falar do amor em seus textos. Braga discorreu em duas ou três linhas de um amor que julgou eterno. E logo a seguir se pôs a contar que a maior dor física que havia sentido em sua vida foi decorrente de uma bursite no ombro esquerdo. A dor lancinante lhe tirou o sono por várias e várias semanas, meses até… Mas, um dia se foi… Pois então, completou humildemente: se a leitora me quer algum bem (até pelas bobagens que escrevo), por favor, em suas orações, peça a Deus que me mande outra bursite daquelas… Agora, um amor como aquele que vivi, nunca mais."

III.

Um adendo. Fechamos no horário. O jornal circulou legal. A Marina redesenhou a página. As fotos dos lindões ficaram menores. Mas, nada perderam. Todos eram um sorriso só, de orelha a orelha. Num canto, ficou o texto que escrevi e jurei, para todos, não era autobiográfico. Não sei se acreditaram. Hoje, talvez seja. Ando com uma dor horrível no ombro esquerdo…