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Um brasileiro que vive em Israel

O paranaense Élio Passaneto, irmão da Congregação dos Padres do Sion, mora em Israel desde 1987. Viajou para o longínquo país, pela primeira vez, para um período de estudo, depois se envolveu também com a docência. Sua proposta inicial era pesquisar a introdução ao judaísmo para cristãos. A partir deste projeto, foi convidado para ensinar a interpretação bíblica judaica da Idade Média.
“Também desenvolvo um estudo neste contexto e leciono a relação entre judaísmo e cristianismo nos primeiros séculos da igreja”, ressalta em entrevista a O Carpinteiro na sua recente passagem pelo Brasil.

“Há uma influência muito grande nos dois lados”, acrescenta. A proposta do trabalho hoje é intrínseca a melhor compreensão do cristianismo. Para tanto, ele revela, é fundamental estudar o judaísmo contemporâneo. “Para compreender o judaísmo tem de estudar e entender o cristianismo daquele período. Então, o padre da igreja tem de estudar os fatos de Israel para entender os fatos da igreja, completa”.

A íntegra da entrevista:

– Como o sr. ressaltaria, para o nosso leitor médio, a importância do inter-relacionamento com o judaísmo?

Ir. Élio –O cristianismo nasceu no contexto judaico. Todo o elemento fundador do cristianismo é um elemento judaico. Jesus viveu inteiramente num contexto judaico, viveu a judaicidade do seu período. Então, quando se trabalha o Novo Testamento, algumas coisas não são claras. Imagina-se que tudo é novidade. Quando se entra em contato com a literatura do judaísmo desse período, descobre-se que as mesmas coisas estão no Novo Testamento. E melhor: de maneira mais explicada porque o trabalho literário foi muito mais amplo no judaísmo. Neste momento, descobre-se que o Novo Testamento não é falso, mas que, muitas vezes, não está utilizando os meios normais com a leitura correta. Então a leitura correta supõe conhecer o contexto, e só se conhece o contexto quando se vê realmente que se conhece a língua e se convive com àquela realidade. Não é só lendo teoricamente os textos, mas convivendo com os judeus, no seu lugar. Eles guardam a seqüência desse período.

– Então há muito em comum?

Ir. Élio – Sim. Hoje, os acadêmicos que trabalham no Novo Testamento dizem: é um texto judaico. E é verdade. Foi escrito num contexto judaico e grande parte por judeus. Foi deles todo um trabalho, que vem dos gregos, visando já uma igreja para os gentios. E mais: o material fundamental em torno a Jesus é judaico. Temos uma originalidade cristã que é o acreditar que esse Jesus é Deus, é filho de Deus e veio para nos salvar. Toda essa afirmação cristã é a originalidade cristã. No entanto, o contexto dessa afirmação só é possível no contexto judaico. Deus, redenção, ressurreição, a vida futura são constatações de um contexto judaico.

– Fora o contexto judaico, não havia essas afirmações?

Ir. Élio – Não no mundo não judaico. Só o contexto judaico pode dar a chave da compreensão. Então esse é o meio, o mesmo meio que vamos ver, mais tarde, com uma certa identidade a Igreja se formar. Portanto, aí depois falamos já de Igreja, a partir do final do primeiro século, mais acentuadamente no segundo século e seguintes. Esse grupo que segue Jesus vai criando a própria identidade e vai progressivamente marcando a diferença em relação ao judaísmo. Mas, num primeiro momento, você tem uma convivência normal. Os apóstolos iam ao templo e faziam suas orações três vezes ao dia. Portanto apenas possuíam a afirmação, a visão, a orientação espiritual baseada em Jesus. Mas era um mundo onde eles faziam circuncisão e festejavam as festas judaicas.

– E qual é o papel que a Congregação desempenha?

Ir. Élio — É um lugar de acolhimento e reflexão para o cristão adaptar-se ou conviver com aquela realidade. Seria uma maneira de pesquisar o judaísmo num local mais propício. É uma proposta da Congregação. Nós temos uma casa — era um grande centro, hoje diminuiu um pouco, mas ainda é um espaço grande. Somos conhecidos tradicionalmente. Portanto é um espaço que temos lá e é também uma fonte para nós de referência muito importante.

– Como é para um brasileiro conviver naquela realidade?

Ir. Élio — É diferente. Eu já tinha uma iniciação aqui. Muda não só o clima. Muda a natureza, sobretudo Jerusalém, na região desértica e seca. A montanha de Judá é intensamente seca. Se não chove, você chega a ter saudade da chuva. Mas, há um período que chove e faz frio, muito frio; às vezes, neva. Isso é de dezembro a março. Depois, você pode tirar o telhado da casa que não chove. Outro ponto: o idioma não tem nada a ver com a nosso. Tem de aprender a língua inteira e não tem em que se basear. É tudo novo. O homem é um homem acolhedor. Israel é um povo acolhedor porque uma grande parte é imigrante. Mas o brasileiro tem de se adaptar. Não é normal. Não tem o samba, a música, a cultura brasileira… Agora, depois de tantos anos, posso dizer que me sinto em casa lá.

– Qual a primeira impressão?

Ir. Élio — A primeira experiência é como brasileiro, óbvio, e depois como católico. De imediato vem à mente que, pela primeira vez, vivemos num contexto minoritário. Então lá a maioria é de judeus, o país é um país judeu. Depois uma outra parte, uma outra facção também muçulmana que é a parte árabe e convive em Israel. O mundo cristão é uma minoria e, entre os cristãos, o catolicismo é uma pequena porção, muito pequena.

– E a questão política?

Ir. Élio — Aí é complexo. Israel teve sempre o direito à sua terra. Há um processo lento. O Estado foi concebido em 48, com a oposição total dos países árabes e teve de se afirmar nesse contexto. Mas o conflito não é tão grande quanto à imprensa mostra. Quem segue de maneira correta a imprensa pode ter uma visão clara, mas quem segue somente algumas fotos fica com a impressão de que ali só existe guerra ou só tem bombas. Mas, para quem está lá, a vida continua normal. Existe o perigo, mas o perigo não é tão grande como se pode imaginar, não. Diria que, hoje no Brasil, a violência é um perigo muito maior. O dia-a-dia do brasileiro também é arriscado. Mas, é claro, uma bomba pode explodir e já explodiu e explodem muitas. Mas em lugares diversificados, agora pelos jornais a impressão que se tem é que em Israel todo lugar tem uma bomba que explode a cada dia.

– A paz está mais distante lá do que aqui?

-Ir. Élio — Lá é uma questão de interesse também internacional que joga no problema do conflito e produza talvez o conflito. O conflito não é tanto das pessoas que estão entre o povo. Elas convivem sem problemas, eu diria. Lá há uma cultura de vida social que, diria, está mais evoluída. A primeira coisa é imaginar que lá temos uma sociedade menor do que aqui. Somos 170, 180 milhões de brasileiros, lá você tem uma população de 6 ou 7 milhões. Digamos que a dimensão é grande, mas não se compara ao Brasil. É forçoso reconhecer que temos muito que evoluir. Se o trabalho de educação começar hoje é uma grande coisa e temos de considerar que vai demorar algumas gerações para que tenhamos bons resultados. Lá eu não diria que isso tome esse tempo, apesar de o conflito, a causa do conflito continuar. Eu acho que, nesses últimos meses, já tínhamos isso, uma convivência muito mais tranqüila. O processo de paz pode acontecer muito mais rápido lá do que o processo de conscientização no Brasil, que vai tomar um certo tempo.

– Qual a grande lição de Israel para o Brasil?

Ir. Élio — Acho que, primeiro, se você vai num país como Israel é bom entender que a grande maioria do país é pedra ou deserto. Que a fonte de água do país é um pequeno córrego. Então você vê que todo o país é irrigado, toda a plantação é irrigada. Não há uma crise de água. Fica claro que isso só é possível porque há uma consciência de povo. Neste ponto é necessário que se faça um sacrifício. Todos devem fazer esse sacrifício. A colaboração entre um e outro torna possível a existência de Israel. Há uma cultura de povo secular ou milenar que sustentou tudo isso e continua. Isso nós não temos. Esse rigor se originou de um efeito que vem da formação do exílio que o seu povo viveu. A cidade de Jerusalém fala 73 línguas, então necessariamente você tem reflexos de culturas diferentes e sabedorias diferentes. Mas, há um denominador comum na cidade que a tudo permeia e orienta. Não dá para se exigir isso brasileiro, do povo brasileiro. Não temos essa tradição, não podemos ter ainda também. É evidente que há o peso de uma cultura milenar que eles trazem, guardam, conservam e passam de pai para filho.

– Um traço que poderia melhorar para nós aqui?

Ir. Élio – Uma coisa simples que poderia ajudar muito o Brasil é a própria produção da terra, fazer a terra produzir. Lá, o deserto produz. Aqui o nordeste produz com dificuldade. Você não tem água lá e produz. Aqui a gente tem e não produz. Tudo é irrigado lá, aqui você tem uma abundância de água de rios e a irrigação tem um custo enorme. Também o Brasil tem condição de se desenvolver tecnicamente. A educação é o caminho.