Fotos: Arquivo Pessoal
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53 – O homem dividido
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Nesses dias de estío em plagas espanholas (olé!), aconteceu o que sempre acontece quando viajo.
A saber:
Dou uma desconectada geral.
Creiam: esse tirar a tomada não é sinônimo de indiferença ou letargia.
Tem motivo óbvio.
Se estou lá, não estou cá.
Confere?
Depois, há outras razões vitais a se enfrentar. Além do bate-perna por museus, igrejas, jardins, lugares históricos, é preciso buscar um lugar para dormir, para comer, controlar a grana, discutir qual será a próxima etapa da viagem, se vamos de carro ou de trem…
Não há uma programação oficial – e, no fundo, no fundo, acho que este é o barato da viagem:
Deixar as coisas assim ao sabor dos ventos, do imprevisível.
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Neste ano, por exemplo, nos perdemos pelas ruas estreitas de Segóvia, uma cidade medieval onde passamos o reveillon – ou “a noite velha”.
Subíamos aqui, descíamos ali. Tentávamos um beco, uma viela. Andávamos pra lá e pra cá – o que é comum acontecer nessas viagens – até que chegamos numa pequena praça, onde havia um monumento, no mínimo, intrigante.
Tinha a seguinte inscrição:
AGAPITO MARAZUELA
Maestro del folclore castellano.
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Sincerão:
Não era lá grande coisa o dito monumento.
Mas, o que me chamou atenção foi o inusitado da escultura em bronze de corpo inteiro do senhor Agapito ao centro da praça. Há um vão de uns 60 centímetros entre a parte da frente e a parte de trás da estátua.
Fiquei a imaginar o que o artista tentou mostrar com aquela abrupta separação – frente e verso, corpo e alma, passado e futuro, sonho e realidade…
Desencanei.
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Assim que cheguei ao Brasil, ainda no aeroporto de Guarulhos, enquanto esperava a minha mala, que sempre teima em ser uma das últimas a dar o ar da graça nas esteiras, lembrei do Sr. Agapito.
E continuei a lembrá-lo em todos os dias posteriores.
E ainda hoje o recordo de quando em quando.
Daí a hesitação de lhes escrever o que vou escrever:
Me sinto, como aquela imagem, um homem dividido.
É certo que estou aqui a retomar a vida, os compromissos, o trabalho, os textos. Mas é certo também que outro tanto de mim continua a vagar pelas ruas de Santiago, A Corunha, Segóvia, Ávila Burgos, Salamanca, Pamplona, Zaragoza, Toledo, Madri…
Como disse aquele pensador (que nunca lembro o nome), a vida é uma viagem em três etapas:
1 – ação
2 – experiência e…
3 – recordações.
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* Baseado em texto originalmente postado em 27/01/2008
O que você acha?