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Cem anos de solidão

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Foto: Cartagena, 2013/arquivo pessoal

– Diga uma coisa, compadre: por que você está brigando:

– Por que há de ser, compadre – respondeu o Coronel Gerineldo Marquez -, pelo grande Partido Liberal.

– Feliz é você que sabe disso. Eu, de minha parte, só agora percebo que estou brigando por orgulho.

– Isso é ruim, disse o Coronel Gerineldo Marquez.

O Coronel Aureliano Buendía se divertiu com o seu sobressalto. “Naturalmente”, disse.”Mas, em todo caso, é melhor isso do que não saber por que se briga”. Olhou-o nos olhos, e acrescentou sorrindo:

– Ou brigar, como você, por alguma coisa que não significa nada para ninguém.

Nesta fase da vida, tenho me permitido mais as releituras do que a visita às novas publicações.

Não sei explicar bem o motivo; como de resto, cada vez menos peço (e/ou dou) explicações para as coisas que estão postas pela aí e não consigo entender.

O mundo anda muito sem noção, concordam?

Nessa toada, meu livro de cabeceira, por esses dias arrastados, tem sido o épico de Gabriel García Marquez, Cem Anos de Solidão.

Ando ali pela página 150 – portanto, ainda há um bom caminho a percorrer.

A sensação é a de que leio um texto inédito – e, a cada página, mais revelador desses tempos tão fugazes e destrambelhados.

Lançada originalmente em 1967, só fui tomar conhecimento da obra ali pelo início dos anos 70.

Era estudante de jornalismo na USP, trabalhava no Grupo Escolar Jardim Moreira em Guarulhos, morava no Ipiranga.

Bem diferente da saga dos Buendía, a minha era percorrer esse diversificado trajeto. Vivia no busão. Subia de um, descia, pegava outro. Quatro para ir. Quatro para voltar. Ao todo, oito por dia.

No sacolejo do ônibus, as lutas da trama, confesso, me eram bem mais próximas.

Me identificava com o propósito dos revolucionários.

Vivíamos um período ditatorial, é bem verdade.

Lá (na trama) como cá (na vida real), sabíamos quem era nosso inimigo.

E de que lado estávamos.

Não tenho dúvida que a idade, os sonhos, as expectativas e o próprio desconforto sobre rodas tinham influência decisiva no envolvimento que me propiciava a leitura.

Quando estive, anos atrás, em Cartagena das Índias, fui conhecer no Centro Histórico a bela casa (foto) de Gabriel García Marquez (1927/2014).

Ele ainda estava vivo – e vi um grupo de turistas (americanos, talvez), com o livro na mão em busca de um autógrafo.

Os nativos desestimulavam qualquer esperança dos incautos:

– A casa é, na verdade, uma fortaleza. Gabo anda muito doente. Mesmo quando está por aqui, é como se não estivesse.

Sempre me impressiona a força arrebatadora da Literatura, especialmente quando me defronto com um livro, como este Cem Anos de Solidão, que desafia o passar do tempo fatiado em sonhos e memórias, dramas e esperanças.

Úrsula, a mamãe coragem da trama, é hoje meu personagem preferido.

Antes, era o Coronel Aureliano.

Eu o via como um Che Guevara, nascido em Macondo.

Me ocorre que as últimas décadas tenham nos distanciado deste aprendizado vital: ler a vida em grandes obras que se fazem eternas. Até porque revelam a humanidade à Humanidade diante da jornada que, por mais que se pense diferente, modernosa e coisa e tal, é a mesma desde que o mundo é mundo: luta-se pela sobrevivência.

Tem razão o Coronel Aureliano Buendía:

Em busca de um suposto Poder e notoriedade, trava-se uma luta enganosa, efêmera que “não significa nada pra ninguém”.

Sábias palavras…

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