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Meu modernista favorito

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Ilustração: O Pensador/Reprodução

O CACTO

Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária:

Laocoonte constrangido de serpentes,

Ugolino e os filhos esfaimados.

Evocava também o seco Nordeste dos carnaubais, caatingas…

Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.

Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.

O cacto tombou atravessado na rua,

Quebrou os beirais do casario fronteiro,

Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,

Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte quatro horas

privou a cidade de iluminação e energia:

– Era belo, áspero, intratável…

PNEUMOTÓRAX

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino
.

VOU-ME EMBORA PARA PASÁRGADA

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz


Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

  • Manuel Bandeira (1886/1968), poeta da primeira fase modernista.

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