Sign up with your email address to be the first to know about new products, VIP offers, blog features & more.

Na correnteza que nos trouxe até aqui

Posted on

Foto:  jornalista Rodolfo Konder (Agência Brasil)

Na correnteza que me trouxe até aqui, tudo era previsto.”

Surpreendo-me lá pelas tantas páginas do livro O Veterano de Guerra (Gráfica Editora Ibla/1988) quando o narrador das tramas se identifica propositalmente como Ricardo Régis.

Faço um pitstop na leitura.

Ajeito-me melhor na poltrona para voltar as páginas necessárias e me acomodar mais adequadamente – e principalmente – no contexto das andanças do desafiador personagem.

Até aquele momento, para mim, o autor Rodolfo Konder (1938/2014) fala de si e de seus desafios como funcionário da Petrobras, líder sindical, ativista pela Anistia e os Direitos Humanos, jornalista, roteirista, escritor, professor universitário e conferencista.

As confissões, feitas em primeira pessoa, estão justapostas em blocos independentes sem qualquer ordem cronológica.

São intrigantes (pois trazem à baila bastidores de acontecimentos que envolvem personalidades da vida pública brasileira, com nomes reais)  e verdadeiramente revelam as sinuosas alamedas do que imagino perfazem o itinerário (algo errante, pois começa comunista, é exilado pelo Golpe de 64 e termina secretário de Maluf) que Konder fez ao longo de mais de 50 anos de militância política e social. Dentro e fora do jornalismo.

Há reminiscências da vida social, inclusive. Em tons e sobretons que flertam com o romantismo.

Penso e repenso.

Trata-se de um arabesco literário que liberta o autor dos rigores da autobiografia e permite aos incautos leitores (como eu) a flanarem pelo o lúdico e o ficcional, se assim o desejarem.

Bato o martelo:

Ricardo Régis é, na verdade, Rodolfo Konder.

Sigo a leitura nessa toada realista.

Mas, com a sincera impressão, de que o homem continua um enigma para mim.

A mesma sensação, aliás, que tive quando o entrevistei à época em que era secretário municipal da Cultura.

Meados dos anos 90.

Ele me recebeu no seu gabinete e conversamos por hora e tanto.

Foi cordial e atencioso.

Falou da popularização das artes como meta.

(Para tanto, a rede de teatro da Prefeitura era fundamental.)

Emocionou-se quando eu lhe disse que fora aluno do jornalista Vladimir Herzog naquele triste outubro de 1975 quando Vlado foi torturado e morto nos porões do DOI/CODI em 1975.

(Konder também se encontrava preso ali – e escreveu um lindo conto sobre o episódio. Chama-se Mocassim Marron)

Citou o escritor argentino Jorge Luis Borges algumas vezes.

(“Somos nossa memória”.)

Deu um nó no meu roteiro de perguntas.

E…

Concluiu que era um humanista.

(Não sei se usou essa denominação, mas foi assim que o entendi.)

Talvez fosse aquele o momento – ele me disse – de alinhavar elos para um amplo entendimento nacional.

Que ameaçava estilhar-se em cacos.

Não sei se me dei conta da relevância do que me dizia naquele momento.

Do âmago da questão divisionista que ora nos assola (tantos anos depois).

Provavelmente não.

Hoje se consolida em mim o tom visionário nessas lembranças que me ocorrem a partir do depoimento do personagem Ricardo Régis.

Na minha memória, ficou daquela tarde ensolarada, no suntuoso gabinete nas imediações da avenida Paulista, o olhar fatigado e turvo do meu entrevistado como o de um veterano de muitas guerras.

Inglórias batalhas que não era apenas dele, mas de todos nós.

 

 

 

 

 

 

 

Ainda nenhum comentário.

O que você acha?

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *