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O dia em que o Ipiranga parou

Foto: reprdução das Redes Sociais

Caros e preclaros,

Vamos e venhamos, enquanto ainda é possível ir e vir.

Estou a rememorar, digamos idilicamente, meus 50 anos de profissão – e os amigos comentam, me parabenizam e quase todos imaginam que era tudo uma doce e venturosa maravilha.

Não foi bem assim, meus caros e raros.

Mas, nada a reclamar.

Houve dia que “a cobra fumou”, no dizer daquele ex-pracinha que serviu na Itália na Grande Guerra, aparecia vez ou outra na redação com ‘versos autorais’ que nunca publicávamos/

Ele gabava-se do heroismo de ir ao campo de batalha e não ter dado sequer um tiro:

“Só alimentei a tropa.”

Era cozinheiro.

Conto-lhes um causo.

Foi ali por volta de 1975, era noviço na reportagem de Gazeta do Ipiranga.

Um certo Coronel Fontenelle foi importado da Província do Rio de Janeiro para tomar conta, imaginem, do trânsito de São Paulo.

O homem era do barulho.

Adotava medidas drásticas que causavam grandes polêmicas. Na siceridade, mais confundiam do que ajeitavam.

E, como só e acontecer, repercutiam amplamente na Imprensa, velha de guerra.

Uma das medidas foi mudar a mão de direção de nada menos que 24 ruas do bairro do Ipiranga.

Assim, numa tacada só.

Vapt-vupt.

Ou seja, seria alterada abruptamente a rota de zilhões de motoristas e passageiros que passam diariamente pelas vias daquele histórico bairro, que é interface para os quatro cantos da cidade.

Resultado.

Mal o dia clareou – e fez-se o caos.

Antes das seis – mal o dia clareou, repito – lá estava o jovem repórter cabeludo e atrapalhado a tentar perambular pelas ditas-cujas ruas.

A turma da Prefeitura ainda finalizava as placas indicativas dos novos trajetos e os motoras atravancados num enorme congestionamento.

Goi uma grande surpresa para todos. Carros de passeio, ônibus e caminhões e seus respectivos públicos. Tudo e todos parados à espera do que poderia acontecer.

Buzinaço.

Pontos de ônibus lotados.

Automóveis tentando escapar pelas calçadas de pedestres.

Comerciantes a contar o tamnho das perdas e do prejuízo.

….

Alguns policiais tentavam inutilmente dar alguma fluência ao tráfego.

Mas, desconfio, nem eles sabiam o tamanho da encrenca.

Sem outra alternativa, apitavam.

Ouviam xingamentos – e apitavam.

Gesticulavam descoordenadamente – e apitavam.

Tiravam e punham os tradicionais óculos escuros – e apitavam.

Foi um perereco.

Como não possuía apito algum, e nem sabia por onde começar, fiz o simples e o imediato:

Passei a ouvir as impublicáveis queixas dos motoristas.

A bem da verdade, depois de horas rodando feito carrocel de parquinho mambembe, muitos me confessaram que já não sabiam se estavam indo ou voltando.

Não lhes disse, mas lembro bem: vivia o mesmo dilema.

Recordo hoje a cena e o espanto – e me divirto.

No dia, temi pelo fim dos tempos.

Comigo, justiça seja feita, madrugaram o motorista Seu Eliseu e fotógrafo Cláudio Michelli, vulgo Clamic, todos a bordo da valente pick-up Rural Willys, carinhosamente chamada de “Lixão”.

Em duas ou três laudas e dezenas de fotos tentamos registrar condignamente, creio, o quase-apocalipse.

Nosso editor, o AC, fez a manchete:

“O IPIRANGA ACORDOU ÀS AVESSAS”

Anos mais tarde ouvi Caetano cantar “Sampa” e definir nossa cidade como “o avesso do avesso do avesso”.

Achei bonito o verso e precisa a constatação.

Na hora, lembrei-me daquela manhã.

Disse pra mim mesmo.

“Foi bem isso. O dia em que o Ipiranga parou… Foi o avesso, do avesso, do avesso.”

Ainda nenhum comentário.

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