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O olho da câmara e a essência da vida

"Olha aí, olha o meu guri, olha aí…" (Chico Buarque)

01. Indiferentes aos rigores do inverno, indiferentes a tudo e a todos, as crianças caminham pela poça de água sem medo de ser felizes. Elas e dezenas de famílias ainda estão abrigadas sob o viaduto Grande São Paulo desde que perderam o barraco onde moravam no incêndio da favela do Morro do Urubu, em 17 de julho. O peso da quase tragédia — por um milagre não houve vítimas, apenas prejuízos materiais e humanos — não impede que brinquem no terreno em que o fogo transformou em descampado. O flagrante foi feito pelo repórter-fotográfico Anísio Assunção durante a visita de um dos candidatos a Prefeitura de São Paulo ao local.

02. O olho da câmara percebeu a essência da notícia a alguns metros de distância do local onde acontecia o fato jornalístico. Não sei se o leitor me entendeu. Explico: o verdadeiro futuro desta Cidade está em garantir uma vida digna para essas e outras tantas milhões de crianças paulistanas que hoje caminham ao Deus-dará. Toda e qualquer proposta eleitoral que se preze — e que pretenda recuperar uma cidade como São Paulo — passa pelo compromisso de assegurar a essa garotada condições elementares de vida: freqüentar uma boa escola, ter assistência médica, lugar adequado para morar, um prato de comida à mesa, salário digno para os pais, segurança nas ruas, essas coisas simples mas imprescindíveis para quem almeja viver em sociedade e em paz.

03. Não sei se escolado no exemplo de Brasília (para o presidente, não há nada de errado com os rumos do País), desconfio sempre que ouço um candidato a prefeito falar solenemente de seus megaplanos. A voz rouca das ruas está aí a clamar pelas necessidades mais urgentes — que, de resto, são as mais simples. De nada adianta postularmos obras faraônicas se nos falta o básico, o essencial. Parar no semáforo, por exemplo. Ter uma vaga para o filho na escola, comer quando se tem fome, essas coisas…

04. Foi para isso que se lutou para transformar esse País numa Nação democrática, solidária e feliz. Mesmo que aos trancos e barrancos, conseguimos — e não há como negar essa conquista — a liberdade de expressão e o direito ao voto em todas as instâncias que são pilares da democracia. Agora, os dois itens que faltam (solidariedade e felicidade) dependem sempre das nossas opções e sinceridade na hora de votar.

05. Um dos pontos culminantes da primeira manifestação pró-diretas para presidente, realizada em janeiro de 84 em Curitiba, foi a fala de Juan Carlos Quintana, representante do então presidente argentino Raul Alfonsin. Ele reiterou sua convicção na determinação dos brasileiros de construir um País melhor a partir do voto. Se o que estou vendo aqui não é povo, não sei o que é povo — disse ele para a multidão que lotava a rua das Flores. Há pouco tempo vivi um momento feliz, como este. Tive eleições diretas em meu país. Vocês devem defender com todas as forças esse direito, que é de todos os cidadãos. Esta é a única forma legítima de se consolidar a democracia e a justiça social.

06. Além da lembrança, apenas uma observação: lá se vão 16 anos, está mais do que na hora da gente acordar…