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O rio de águas vermelhas

"Para sempre, é sempre por um triz" (Chico Buarque)

01. Há uma polêmica sobre o significado da palavra Ipiranga que pelos modelares caminhos da História acabou por denominar o bairro quase cidade onde vivemos. Estudiosos trabalham com duas versões. A primeira comenta que as palavras indígenas ypi + anga designam região onde corre o rio de muitas curvas. A outra versão é de que Ipiranga significa rio de águas vermelhas, barrentas. Os pesquisadores, repito, ainda não chegaram a uma definição exata do termo. Mas, a incúria do bicho homem deu, ainda que por algumas horas, uma grande força para a segunda hipótese. Por um vazamento em alguma indústria próxima, as águas do histórico Riacho Ipiranga tornaram-se de um vermelhão horrível como a denunciar o abandono em que se encontra nossa cidade. Poderíamos entender esse rubor como um grito de socorro, de salve-me e salve esta São Paulo que tanto tem feito pelo Brasil e pelos brasileiros e que quase nada vem recebendo em termos de preservação e reconhecimento público — quer seja das autoridades, quer seja dos próprios paulistanos.

02. Registre-se que tal fato acontece às vésperas do dia que, na teoria e nas comemorações oficiais, se reverencia o meio-ambiente. O 5 de junho gostaria que fosse mais do que um mero registro festivo dos calendários institucionais ou um punhado de discursos que os secretários do Verde fazem nessas ocasiões. Ao menos imagino, deveria ser uma prática cotidiana de todos nós preservar o lugar onde vivemos, onde nossos filhos poderão crescer, brincar… Um lugar onde nossos antepassados fincaram sustentáculos de existências e conquistas. Um lugar que nos acolhe quando, por este ou aquele motivo, perdemos o porto-seguro da terra onde nascemos.

03. Vamos esquecer um pouco das autoridades, das instituições públicas. Nada fazem mesmo. Conversemos eu e você, caro leitor. Se nos conscientizarmos da nossa cidadania, pequenos grandes gestos e alguns poucos cuidados já trarão maior dignidade ao nosso entorno. Não sujar o local onde estamos (seja a rua, o local de trabalho, a própria casa, a sala de cinema, o estádio de futebol…), ensinar esse procedimento às crianças, respeitar o horário da coleta de lixo, não pisar na grama quando há sinalização, não atirar entulho em qualquer terreno baldio que encontre — menos ainda nas margens dos rios, cuidado com as pontas de cigarros, não desperdiçar água e por ai vamos… Nada do que escape à trivialidade do bom senso.

04. Se você for um executivo, não é demais adotar todos os rigores indispensáveis para que acidentes como o de terça-feira não aconteçam. Não poluir o ar, não expor os funcionários à substâncias insalubres, manter em nível suportável os ruídos do maquinário e equipamentos, respeitar a lei do silêncio, não extrapolar os horários e, se me permite dizer, não imaginar que o lucro — e só o lucro — fará que você e os que estão ao seu redor se sintam melhor. Às vezes um sorriso, um carinho — diz a canção da moda — vai bem…

05. Que fique claro! Não se trata de um puxão de orelha em ninguém, menos ainda no meu estimado leitor. É apenas para reavivar algumas impressões que já existem nós e que, sejamos sinceros, muitas vezes esquecemos de colocá-las em prática ou de passá-las adiante. Ademais, o inescrupuloso que deixou acontecer o vazamento que polui as águas não precisa só de uma reprimenda. Precisa, sim, de uma pesada multa que ressarça a sociedade pelos danos causados. Quando isso for possível. Às vezes os estragos causados por uma desatenção momentânea levam toda uma vida para serem recuperados. Em alguns casos, como diria o corretor de seguro, é perda total.

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