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O postal e o presidente que virou pedra…

01. Pena que nosso Caro Leitor não seja em cores. Tenho em mãos um postal da cidade espanhola de Santiago de La Compostella, melhor dizendo de um dos pontos do Caminho de Santiago, a Cruz de Ferro. É um postal belíssimo. Mostra um céu em tons azul e lilás cortado por um arco-íris a nos provocar a sensação de que para chegar ao pote de ouro (que podemos entender como o sonho nosso de cada dia) haveremos de persistir, passo a passo, um após outro, sem nos desviar da rota, sem esmorecer diante dos moinhos de ventos, sem que percamos a sensibilidade de ouvir nosso coração.

02. O Caminho de Santiago é uma das rotas de peregrinação cristã que escritores, como nosso Paulo Coelho, a transformaram em tema de romances e relatos. Os caminheiros partem de um ponto pré-determinado na França, Itália ou Portugal e percorrem, a pé ou a cavalo, entre 400 e 600 e tantos quilômetros até chegar a catedral de Santiago, onde repousam os despojos do santo. A jornada é repleta de simbolismos. A Cruz de Ferro, por exemplo, é o ponto onde o peregrino atira as pedras que trouxe em seu alforje e representam os pesos, as culpas e os problemas dos quais só podemos nos livrar quando crescermos espiritualmente, e sobretudo quando nos entendermos cidadãos do mundo.

03. O cartão me foi presenteado por um leitor. E me chega num dos tantos momentos que um escândalo requentado ganha as manchetes dos jornais sérios — e, muito justamente, coloca em xeque um dos pilares da instituição democrática que é a Presidência da República. Em julho do ano passado circulou a notícia de que o presidente Fernando Henrique Cardoso e alguns de seus pares da área econômica favoreceram determinada empresa no leilão da Telebrás. A informação ficou perdida, talvez porque estivéssemos num ano eleitoral, na sempre repleta pauta dos descaminhos que o País atravessa. O ministro caiu. O governo, como de costume, se disse mártir da incompreensão humana. E que tudo fez para o bem do Brasil.

04. Nesta semana, os repórteres Fernando Rodrigues e Elvira Lobato, da Folha de S.Paulo, foram a fundo na investigação dos fatos. Ouviram 46 fitas de conversas telefônicas, grampeadas junto ao BNDES e, num caderno de 14 páginas, comprovaram a intervenção tendenciosa. A vitória do Telemar foi usada pelo governo como prova de que não houve favorecimento. Mas, concluem os repórteres, o consórcio só venceu porque disputou sozinho.

05. Mais esta — entre tantas — do Governo FHC fez com que a semana ficasse marcada pela discussão do eventual Impeachment para o presidente. Entre os prós e os contras, rapidamente, aliás como raramente faz quando uma matéria de interesse público é votada, o bloco governista se posicionou monolítico no Congresso. Os nacos do Poder que dividem deputados e senadores falam mais alto do que qualquer posicionamento ético e/ou responsável.

06. E aí também aparecem os vendilhões do Templo, na mídia, a tergiversar que o Governo só se utilizou de um instrumento de pressão em benefício do Tesouro Nacional e logo, logo tudo acaba esquecido… Em nossa vida a única coisa que muda, na verdade, é a taxa de desemprego. Cada dia mais alta. Só em São Paulo, um triste recorde: o contingente de desempregados soma 1,788 milhão de trabalhadores — ou seja, 20,3 por cento da População Economicamente Ativa. O que isso significa? Recessão, miséria, violência… E mais desemprego, e recessão, miséria…

07. Comecei falando do postal de Santiago e quero encerrar dizendo que, num futuro não muito distante, gostaria percorrê-lo como um peregrino da fé e dos sonhos. Demora-se por volta de 45 a 50 dias para fazer todo o trajeto. Assalta-me agora a idéia de que, em minha mochila de penitências, acrescentaria uma pedra de razoável tamanho e múltiplas faces e pontas, a chamaria assim genericamente de carrascos do povo brasileiro. Diante do marco histórico, sentiria um grande prazer em arremessá-la com as duas mãos para o alto da montanha de malefícios que afligem o Planeta. A partir dali, tenho certeza que a caminhada seria bem suave…

08. Entendo, caro leitor, que na prática de pouco adiantaria meu gesto. Por isso, sugiro que todos nós brasileiros, mesmo sem trafegarmos qualquer rota santa, possamos a cada manhã identificar quem é por nós e, ao contrário, qual a pedra que nos obstaculariza o passo. Arremessá-la, desde já, ao limbo do esquecimento é o mínimo que podemos fazer. Se na vida pessoal, isso dói um bocado, imagine para um político desses que estão aí a nos atormentar a alma…