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O ypê-branco

Saio de casa encasquetado com o dia de ontem.

20 de setembro.

Essa data não me é estranha. Tem algo de especial para mim.

Deveria me lembrar algo?

Não consigo atinar o quê?

Estaciono o carro no pátio da Universidade, como faço todas as manhãs, ainda à procura do que deveria lembrar – e não consigo.

“A velhice esfalfa”, como bem ensinou o personagem central do livro ‘Memorial de Aires’, do grande Machado de Assis.

II.

Cito Machado, pois vejo algumas parecenças minhas com o diplomata aposentado, criado – ou retratado – pelo escritor.

A começar pela idade.

Ele está prestes a completar 62 anos quando decide registrar suas memórias, em tom despretensioso, apenas para ver o tempo passar.

Não que me sobre tempo, como acontece ao elegante Ares.

Mas, a bem da verdade, ainda agora não sei exatamente o motivo que me faz tocar o blog diário há lá se vão quase seis anos, a completar-se na próxima terça, dia 25.

III.

Estava nesse lescolesco de pensamentos, quando dou de cara com um belíssimo exemplar de ypê-branco, exuberante em sua copa, tomada por frágeis flores brancas, a lhe garantir imponência e garbo.

Pensei em usar o celular para fazer uma foto e, quem sabe?, postá-la no blog.

É justificável a minha surpresa.

Na lida de professor, há quinze anos paro o carro por esses lados todas as manhãs– e nunca me dei conta do belo espetáculo.

IV.

Mesmo com toda a admiração que dedico ao cenário, desisto da ideia do registro fotográfico, e sigo minha rota habitual.

Não sem antes lhe lançar um olhar mais alongado.

Confesso até que, alguns passos depois, chega mesmo a divertir-me a minha súbita vontade de tornar perene aquela bela imagem.

Cá com meus botões – que eu ainda os tenho na camisa – pondero que, a continuar assim, logo, logo estarei a clicar o por do sol, os pássaros que voam ao meu derredor e até mesmo a mim próprio; esse esdrúxulo hábito tão em voga hoje em dia.

Estica-se um dos braços, faz-se caras e bocas e…

V.

Fim da tarde.

Expediente encerrado.

Caminho em direção ao automóvel para o merecido descanso.

Lembro por lembrar que o dia 20 se vai como tantos ooutros se foram. Ou não?

Consta em minha memória algo ou alguém que mereça relevo.

O quê ?

Quem?

VI.

A impressão persiste…

Reparo que o chão do estacionamento está tomado por um irregular tapete manchas brancas.

Procuro pela árvore – e a encontro, digamos, seminua.

O vento da tarde lhe arrebatou as flores e viço.

Arrependo-me de não ter feito a foto.

VII.

“Cumpriu-se um ciclo de vida”, ouço a voz do senhor que cuida da jardinagem a explicar ao ajudante o fenômeno que acabara de acontecer.

Ele conclui:

“Novas flores virão com a chegada da primavera.”

VIII.

Tomo para mim a lição.

Já não me aflige lembrar o 20 de setembro que um dia aconteceu.

Não sou árvore, mas tive belas floradas vida afora.

Quem sabe esta não seja a data o começo de uma delas?

IX.

Aos moldes do Conselheiro Aires, apraz-me alinhavar devaneios e memórias, mesmo sem ter grandes convicções obre o que escrevo…