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Tarde de outono

Era só uma dessas tardes de outono. Abafada, sufocante, mesmo com sol tênue. As previsões meteorológicas indicavam chuvas antes do anoitecer.

Dia típico da grande metrópole.

Num gabinete sofisticado do 19º andar do prédio envidraçado na grande avenida, ele sentiu-se desconfortável. Pensou no trânsito que enfrentaria para voltar para casa. A depender do tanto de água que despencaria do céu, ficaria horas e horas ilhado em um dos tantos congestionamentos que travavam a grande cidade.

Que bom se fosse sexta-feira.

Estaria livre dos compromissos, das pressões, do trabalho estafante. E sem cor.

Afrouxou o nó da gravata e lembrou os tempos em que era um hiponga.

Chegou a viver em uma comunidade em Arembepe, na Bahia.

O jovem cabeludo e desencanado que fora não acreditaria se, àquele tempo, pudesse ver o executivo em que se transformou.

Sorriu o sorriso tímido dos que venceram, mas não levaram.

II.

Do gabinete da diretoria, podia monitorar toda a empresa pelo sistema interno de TV.

Tudo parecia nos eixos.

Só ele dava mostras de não estar nos trilhos.

Sobre a mesa de trabalho, o notebook com a tela aberta para checar os emails que chegavam, os relatórios, os telefones fixos, o interfone, o celular para uso pessoal, o nextel…

Viajandão, imaginou-se uma das engenhocas que o colocava plugado com o mundo.

Lembrou-se de Aninha (a esposa, mais que amada, àquela hora malhando na academia) e dos meninos; lindos, saudáveis, felizes.

Respirou fundo, e considerou:

O sacrifício vale à pena.

III.

Não era hora de parar.

Agora, não.

Um dia, quem sabe?

Por enquanto, se permitiria um café na padaria da esquina.

Como nos velhos tempos, da grana curta e do riso largo, escancarado no rosto ossudo, que lhe valeu o apelido de Cavalo.

Sentia-se cansado, muito cansado…

Mas, no fim de semana, seria feliz por inteiro.

Quem sabe, na velhice, não voltaria a morar em Arembepe.

Logo faria 50 anos. Não estava tão longe assim…

* FOTO no blog: Jô Rabelo