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Todas as cartas de amor são ridículas

À definição do poeta Fernando Pessoa,
outras hoje se interpõem:

Todos os recados de amor são ridículos.
Todos os emails.
Todos os torpedos, via celular.
Todos os scraps no orkut.

Todas as mensagens de amor são assim,
portanto, ridículas

Por isso, naquele momento,
ele também se sentiu assim.
Ridículo.

Aliás, ridículo e meio…

II.

Fora muito além dos seus planos.
Perdera o controle. O senso.
O juízo.

Perdera a vergonha de se envergonhar.

O que não faria por ela?

III.

A pergunta ficou sem resposta.

Como outras tantas ficaram ao longo
daquele ano e meio, de idas e vindas.
Sim e não.
Certo e errado.
Alegrias e tristezas.

Quase ia pensando “risos e lágrimas”,
mas corrigiu em tempo.

Achou, com razão, soaria dramático.

Se ela estivesse por perto,
na certa ralharia bem a seu modo:

— Nossa, você faz drama pra tudo.

Sorriu um breve sorriso.
Mas teve de concordar com a observação.

IV.

Lembrou-se daquela noite…
Não lhe reconheceu a voz ao telefone.
Arrastada, densa.
De alguém transtornada.

— O que você quer?

Estranhou.
Perguntou se era ela mesma.
Porque ele era ele –
e não entendeu nada.

— Amanhã a gente conversa.

Ela despachou.
Ele insistiu.

Perguntou o que estava acontecendo.

— Nada. Me deixe em paz.

V.

Depois do desenlace, obrigou-se a dormir.
Não quis ficar zumbizando
pelo apartamento como sempre
lhe acontecia nessas toscas ocasiões.

Tentou em vão.

Ainda não era meia-noite e
o toque do celular lhe animou.
Por segundos.

Não entendeu o bizarro daquela
musica ritmada que escolhera
para lhe alertar das chamadas.

Foi à época em que a conheceu e
imaginou ter encontrado a mulher
da sua vida. Andava nas nuvens.

Agora definia-se como ridículo
ao lembrar todo aquele sentimentalismo.

Aliás, sobram-lhe motivos para
achar que exagerou nas escolhas,
do toque e da dita-cuja.

VI.

Naquela noite, o coração descontrolou-se
porque era assim que ela sempre fazia.

Minutos depois de discutirem – e
como discutiam! – telefonava e
pedia desculpas. De uma forma ou
de outra sempre se entendiam.

E assim prosseguiam…

VII.

Estranho pressentimento.
Levou o aparelho ao ouvido
com a exata sensação do fim.

Dissesse o que dissesse
nunca mais seriam os mesmos.

Então, deixou-se estar deste
lado da linha sem nada dizer.
Ouviu apenas.

Curvo, débil, sem força ou
vontade para enfrentar
o efêmero de mais esta
ridícula história de amor.

Triste, triste…

VII.

“Todas as cartas de amor são ridículas.

Não seriam cartas de amor
se não fossem ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas
de amor. Como as outras, ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser ridículas.

Mas, afinal, só as criaturas que
nunca escreveram cartas de amor
é que são ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso cartas de amor ridículas.

A verdade é que hoje as minhas memórias
dessas cartas de amor é que são ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente ridículas.)”

VIII.

Tanto tempo depois,
ao ler o soneto de Fernando Pessoa
(assinado pelo heterônimo Álvaro Campos),
surpreendeu-lhe a lembrança
daquela noite que se perdeu no tempo
sem volta do passado. Não lhe reacendeu
a paixão ou mesmo frugais esperanças.

Não se fez nostálgico ou
melancólico. Apenas triste, triste…

De uma tristeza definitiva, irrevogável.
Ridícula como as cartas de amor
que nunca soube escrever…

* Em tempo:
Todos os posts de amor são ridículos