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Uma fábula chamada Abril

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Foto: Arquivo Pessoal

Agradeço, registro e compartilho o lindo depoimento do amigo Jorge Tarquini* a partir do texto Jornalismo no século 21, que aqui postei na segunda, dia 24.

Caro Rodolfo,

A vida inteira senti na pele tanto o lado bom quanto o nem tanto por ter feito parte dessa fábula chamada Abril.

O lado bom: ter convivido com verdadeiros artistas das artes gráficas, da fotografia, da moda, da beleza, do “texto de revista”, da arte da boa impressão, de um universo que cobria praticamente todos os campos da vida humana com beleza, com talento, com bom Jornalismo e, principalmente, com uma efervescência que não encontrei nem quando fui jornalista visitante das redações da Time, da Newsweek ou da National Geographic.

Aqueles andares e corredores dos prédios da Abril eram uma happening constante, nos quais nos sentíamos (e, me perdoe o exagero: estávamos) no centro do mundo.

É possível acusar a Abril e suas revistas de um monte de coisas. Podemos não concordar com algumas fases de Veja ou da própria família Civita. Mas o que se fazia ali dentro era primoroso sob muitos aspectos. Aprendi muito, fiz grandes amizades para a vida toda e usufruí de uma carreira na qual a Abril investiu sem economias.

Um privilégio – que, pouca gente lembra, era cobrado à altura: resultados, resultados, resultados. De vendas em banca, de conquista de novos assinantes e da manutenção dos antigos (a tal renovação), de receitas cada vez maiores de publicidade…

Mesmo todo o estresse de ter de responder por resultados cada vez maiores era recompensado com uma empresa que devolvia (como sempre fez) com salários mais altos que a média do mercado, com bônus que, se não compensavam os danos físicos e mentais, ao menos garantiam alguns confortos, carros para seus executivos, viagens internacionais pagas, salários sempre pagos regiamente, sem atrasar nunca. Além, claro, de infra para que os jornalistas pudessem viajar, se embrenhar onde fosse necessário.

E tudo com suporte de um jurídico atencioso e alerta aos perigos que a imprensa sempre encara.

Uma empresa que, sou testemunha (pois aconteceu na minha gestão, várias vezes), abriu mão de milhões de publicidade numa bola dividida entre a informação jornalística e a pressão de uma petroleira ou uma montadora que, descontente com alguma informação, pressionava cortando por meses seus anúncios de toda a Abril – e o máximo que recebi foram bilhetes de Roberto Civita perguntando: “Temos razão?”.

Bastou eu escrever “Sim” no verso do bilhete e devolvê-lo pelo mesmo portador.

Claro que viriam conversas intermináveis depois disso, reunindo para fumar um cachimbo da paz todos os executivos envolvidos (os de publicidade, claro, com ânimos exaltados e diretores de outras revistas impactadas, idem).

Uma escola. Perfeita?

Nem de longe.

Mas a ideia de que era traz o outro lado dessa moeda – que eu igualmente vivi…

O desprezo por ter sido “da Abril” era evidente.

O desdém, como se fosse um demérito ter sido “da Abril” traziam (além da enorme dor de corno) uma tentativa de diminuir quem por ali passava. Como se fôssemos jornalistas de segunda classe, um bando de mimados despreparados e sem talento que, por alguma sorte inexplicável, e mesmo só fazendo bobagens, tinha ali algum sucesso.

Cansei de ter de me fingir de bobo quando algum colega, no Jornalismo ou na universidade, falava:

“Mas você veio da Abril”.

Me calei diante dessas bobagens 99,9% das vezes.

Mas não me arrependo de, nos 0,01 das vezes em que não me calei, ter defendido o que acreditei ser justo.

Respeito o caminho de todos, seja ele qual for. Mas não senti o mesmo com o meu. Muitas vezes, o respeito vinha apenas pela falta de coragem de demonstrar algum desprezo – que vinha pelas costas, por comentários maldosos que eu, educadamente, fingia não ouvir ou não entender.

O que fica disso tudo?

Um enorme prazer de ter vivido tudo isso, de ter virado um “revisteiro”, de ter experimentado essa fábula pessoalmente – e a enorme tristeza por ver como tudo isso se desfez no ar. Se desfaria de qualquer maneira, diante das mudanças do mundo. Mas, infelizmente, o mesmo amor que os “abrilianos” sempre tiveram pela Abril, pelas revistas e pelos Civita (Victor e Roberto), os próprios filhos e netos fizeram questão de deixar bem claro que nunca sentiam…

Jornalista, criador e diretor da Scribas Produção de Conteúdo, foi diretor de redação das revistas Quatro Rodas, Terra e DOM e editor da Revista de Jornalismo ESPM, pela qual ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo em 2013. Entre seus trabalhos como escritor estão “O Doce Veneno do Escorpião – Bruna Surfistinha” e o recente “Vinte Mil Pedras no Caminho”. Mestre em Comunicação, é professor nos cursos de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e da ESPM – onde coordena a Pós-Graduação em Jornalismo Digital.

 

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