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70 anos da TV no Brasil (crônicas e memórias) – V

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Foto: Divulgação

(5) – Eu sou Beto Rockfeller

Luiz Gustavo é o destaque que escolho para encerrar esta (primeira?) sequência de posts sobre os 70 anos da TV no Brasil. Mais do que uma escolha, amigos, é uma reverência que faço a uma das mais importantes personalidades da nossa teledramaturgia.

É um ator tipicamente televisivo.

Estreou na TV no pioneiro TV de Vanguarda.

Formou-se quase que exclusivamente nos estúdios da Tupi ao lado de outros monstros sagrados como Lima Duarte, Raul Cortez, Dionísio Azevedo, Juca de Oliveira, José Parisi, Hamilton Fernandes, Sérgio Cardoso – e, mesmo com naturais incursões em teatro e cinema, foi na TV que viveu grandes e inesquecíveis momentos.

De quebra, o ator foi protagonista da novela que mudou o conceito das produções brasileiras.

Beto Rockfeller, levada ao ar na pioneira Tupi em 1968, com a assinatura autoral de Bráulio Pedroso e direção de Lima Duarte, desafiou pra valer as estruturas das nossas narrativas.

Introduziu o humor, escanteou padronização imposta pelos dramalhões mexicanos (que copiávamos, então, descaradamente) e deu um basta ao estereótipo dos galãs folhetinescos.

A bem da verdade, Beto Rockfeller, interpretado (ou encarnado) por Luiz Gustavo, inaugurou a fase do anti-herói como protagonista das nossas tramas diárias.

Nada mais brazuca do que um mocinho não tão ‘mocinho’ assim. Enrolador e enrolado, bom de conversa e algo desastrado, divertido e sedutor.

Essencialmente, se me permitem a ousadia da definição, apenas um inconsequente sonhador como eram os jovens naquele fim de década.

Tudo isso num momento que a TV Tupi já não vivia lá uma grande fase.

Enfrentava a concorrência forte da Record e a ascensão da Excelsior e da Globo.

As finanças combalidas, via de regra, resultavam em atraso do pagamento dos funcionários – inclusive, dos atores.

Uma situação que, de resto, contrastava com a audiência e a repercussão da novela.

Foi então que ator e personagem se fundiram no mesmo enredo – e dos estúdios saltou, único, para a vida real.

Como assim?

Explico.

Além de ser figura constante em anúncios publicitários da TV,  Tatá (o apelido de Luiz Gustavo) abriu a possibilidade de outra fonte de renda para compensar as agruras dos salários espaçados.

Começou a colocar cacos em meio ao texto que faziam referência ao restaurante X ou à loja de roupa Y e/ou principalmente ao Engov, medicamento recém-lançado para combater a ressaca de notáveis bebedeiras.

Ele, por conta e risco, fez o seguinte trato com o pessoal da agência de publicidade  que tinha a conta do tal comprimido: toda vez que dissesse Engov receberia uns bons pixolés de cachê.

Capítulo sim e outro também, lá estava o Beto a reclamar para o parceiro Vitório (vivido magnificamente por Plínio Marcos) que havia bebido muito na noite anterior e, então, tomaria um…

— Engov. Ouviu, Vitório? Eu disse que vou tomar um Engov. Engov.

Ou seja, três vezes Engov; dinheiro em caixa!

Assim foi por semanas.

Até que alguém do Departamento Comercial da emissora desconfiou – e chamou a atenção do ator.

Fez mais: proibiu terminantemente qualquer alusão a qualquer marca comercial que não estivesse no roteiro, devidamente faturada pela emissora (que, aliás, passou ela própria a aproveitar a iniciativa como novo veio de arrecadação).

Beto/Luiz Gustavo ainda tentou negociar.

Lembrou o sucesso da novela, que o dia 10 nem sempre era dia 10 e cousa e lousa e maripo(u)sa.

Mas, o chefão foi definitivo.

— A partir da próxima segunda-feira, não quero ouvir o personagem Beto Rockfeller citar qualquer produto ou empresa no meio das cenas. Estamos entendidos?

Ele concordou. Que jeito?

Mas, no melhor estilo Beto Rockfeller, foi à forra nos capítulos que lhe restavam gravar.

Nas cenas de sábado, o último antes do prazo dado pelo homem do Departamento Comercial, forçou a barra por uma justa causa.

A cena começa com o telefone tocando. Beto dorme o sono dos justos mesmo não sendo tão justo assim. Reluta em acordar para atender. Depois de sei lá quantos toques, resolve saber quem é. Era a namorada, vivida por Débora Duarte.

Ouve-se apenas a voz de Beto a desculpar-se:

— Demorei para atender porque estou com uma enorme ressaca, amor. Vou tomar um Engov. (…) Pois é. Engov, eu disse. O que você quer saber? Engov é Engov, simples. Engov, entendeu? Escreve assim, ó: En_go_v… Ah, lembrou, né? Isso mesmo, Engov…

Falou quinze vezes a palavra proibida e salvou a grana do mês.

* A partir de texto originalmente publicado em 16/06/2009

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