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A cor do gato

Naquela manhã, Nicola, taxista e psicólogo, com doutorado no tema Mulheres Que Amam Demais, recebeu uma nova cliente. Foi em seu consultório, num bairro tradicional de São Paulo. Como vocês já devem ter lido nas histórias anteriores, o sobrado onde atende fica a alguns metros da esquina, onde está o ponto de táxi em que o amigo trabalha. Em suas andanças pela cidade, Nicola recolhe subsídios e histórias que enriquecem seu relevante estudo sobre a sociabilidade humana.

— Nada é para sempre, disse ele logo após as apresentações de praxe.

E continuou?

– O que acha dessa verdade?

A moça respondeu

— Puxa, que triste… Mas você está certo. Permita-me tratá-lo assim. Temos quase a mesma idade.

— Idade em que não se pode ter ilusões, ponderou.

— Bom não precisar mais de ilusões para sobreviver, mesmo porque são as desilusões que nos matam. Se não as temos, conseqüentemente não morremos…

— Continue.

— Cá estou no consultório de um especialista, como manda o ‘politicamente correto’ em casos como o meu. Sou mesmo um robozinho. Faço tudo direitinho o que está no caderninho. Ando cansada. Um cansaço por nada e por tudo. Aliás, nos últimos tempos, me acometeu uma necessidade imensa de estar serena. Não sei quanto tempo tudo isso irá durar. Mas não importa. O que me basta é a tranqüilidade de contemplar a linha do horizonte, de remexer a terra e ver as plantas do jardim brotarem, crescerem e dividir o cotidiano com uma pessoa que tem a mesma necessidade de se aquietar.

— Nem sempre foi assim. Há pessoas e pessoas. Pessoas erradas para as horas certas. Pessoas certas para as horas incertas. Pessoas erradas para as horas errantes. Mas, há um custo em tudo. A pessoa certa na hora certa soa convencional. Por ser convencional, não há risco de aventura. Sem riscos, sem aventura, adivinhe? É o cômodo, o tédio…

— É provável. Ontem, foi um domingo daqueles. Nossos filhos nos visitaram – os meus e os dele. Dividimos o futebol pela TV e algumas conversas óbvias. Tomamos um lanche como uma grande e moderna família. Depois os meninos se foram. E fez-se um silêncio tão emblemático. Olhamos um para o outro, como se nada daquilo fosse com a gente mesmo. Pareceu que representávamos. Que louco. Mas, era tudo tão normal, tão igual para uma quase noite de domingo. Talvez seja mesmo uma benção tal companhia; pelo desvelo, pelos cuidados que tem para comigo. Mas, não sei…

— Feliz?

— Se estou feliz? Não sei. Se é o que eu quero? Também não sei. Mas eu me sinto bem e tenho vivido tão disciplinadamente que nem pareço eu. Fico pensando que logo, logo irei acordar. E vai ser difícil ser eu de novo.

— Entendi.

— Saudade. É o único sentimento que meu coração ainda identifica…

— Bonito, muito bonito. Não há nada de errado com você. Viver é isso: desenrolar o novelo do tempo. Nem precisa voltar aqui. Lembrei de um provérbio da sabedoria chinesa que, desconfio, lhe fará bem. Quer ouvir?

— Claro…

— Não sei. Pode soar um tanto fora deste contexto. Mas creio que tem a ver…

— Pois fale, fale…

— Vá lá:

“Não importa a cor do gato. O importante é que ele mate os ratos".

Quando a jovem senhora saía do consultório, ouviu Nicola cantarolar os versos de uma velha canção:

“Ser feliz é tudo o que se quer…”

Ela entendeu, então, que era hora de tirar o pé do passado – e ser feliz.