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Acredita quem quer…

Lembro o amigo Escova uma reportagem que fizemos nos idos de 86, se bem me lembro.

Acompanhávamos junto a outros repórteres uma caravana de deputados do PMDB que visitava o Ipiranga onde trabalhávamos. Esperavam o candidato ao governo de São Paulo, Orestes Quércia, para sair em peregrinação pelas principais ruas do bairro para angariar o voto da rapaziada, com promessas, sorrisos e ‘santinhos’ (àquela época, os tais ainda eram permitidos).

Os chamados ‘cabos eleitorais’, munidos de bandeiras e panfletos, iam à frente da turma de parlamentares, preparando o clima de festa e celebração.

Vivíamos os primeiros tempos de democracia, após 21 anos de ditadura; não é exagero dizer que o entusiasmo era geral – e até um tanto descabido.
Brasileiro é chegado numa festança; então, vamos colocar todo esse auê na conta do nosso inconfundível traço de personalidade.

O ponto alto da andança seria a inauguração de um comitê eleitoral na rua Silva Bueno, movimentada via comercial daquela região. Estrategicamente colocado atrás de um ponto de ônibus, bastante concorrido, a loja improvisada em central de campanha oferecia chopps de graça a quem se dispusesse entrar e ali ficar uns minutinhos que fossem.

Ali, também havia um palanque improvisado onde os candidatos se alternavam em discursos cada vez mais acalorados e, digamos, imaginários.

E nada do Quércia aparecer por ali, e o chopps acabando e a plateia minguando, e as lorotas se sobrepondo umas as outras. O Metrô chegaria ao bairro naquele mesmo ano (chegou em 2010), haveria obras faraônicas contra as enchentes, o trânsito do bairro seria equacionado, a favela de Heliópolis seria urbanizada e se transformaria em um conjunto habitacional modelar etc etc etc.

Desconfiávamos, nós, os repórteres, do que ouvíamos. Mas, logo notamos que nenhum dos passantes dava ouvidos às prosas dos candidatos a parlamentares.

– Acredita quem quer – me disse um dos presentes, de olho em outro copo de chopps.

Lá pelas tantas, veio a notícia que o candidato a governador não viria – e o pessoal resolveu encerrar a quase balada. Só havia no local alguns inveterados beberrões, meia dúzia de aspones, os responsáveis pelo comitê e um único candidato vindo do Interior – acho que seu nome era Paulo Novaes – que ainda não havia falado e se dispôs subir para encerrar o evento.

O homem não se fez de rogado.

Começou sua fala invocando a história do bairro como Berço da Independência, o grito heróico de Dom Pedro e soltou o verbo por alguns minutos. Terminou agradecendo a presença das quase 800 pessoas que ali estavam e estava certo que juntos construiriam um novo Brasil.

O salão tinha seis por seis, se tanto. Se coubessem 40 pessoas por ali era muito.

800 pessoas… De onde ele tirou esse tanto?

Era a pergunta que nos fazíamos, incrédulos diante da capacidade imaginativa daquele senhor.

– Vocês não viram nada ainda – sacramentou o velho Nasci, experiente de outras vivências eleitorais. – Não sabem do que esses senhores são capazes para se dar bem na carreira e na vida.

Com riso debochado, Escova ouve a minha história, como se ainda fossemos jovens e inconseqüentes repórteres, sonhadores por natureza e profissão.

Fica emocionado quando cito a fala do Nasci, mas logo recupera o ar de provocação e me pergunta:

– Você não está falando tudo isso por causa da carta do Michel Temmer, está?

Qualquer semelhança é mera coincidência…