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As graças da paixão

A Menina de Cabelos Vermelhos (ou Levemente Avermelhados, de acordo com seus humores e amores) me contou. Teve uma recaída e foi encontrar-se duas vezes com o ex ou quase-futuro. Nem ela sabe bem…

Vai daí que os planos de viajar para Londres — que ela tanto alardeou — continuam de pé. Vai no fim do mês, me garantiu.

— Maginaaaa!!!

Espantou- se quando me contou, com ares alegres, a peraltice e eu lhe fiz a pergunta que não quis calar. Londres miou?

— Maginaaaa!!!

Ela não me disse. Mas eu saquei logo. Os planos de voltar – escrevo hoje e me cobrem no futuro – também foram antecipados. Se pensou em ficar seis meses, vai logo deixar de barato por um mês, um mês e meio. E olhe lá.

— Ah, Sr. Autor, é coisa de mulher, defendeu-se.

A Menina de Cabelos Vermelhos tem pouco mais de 20, e não sabe. A coisa toda é assim desde que o mundo é mundo e Eva convenceu Adão a morder o fruto proibido e prazeroso. Exatamente por ser proibido é prazeroso – e vice-versa.

Vou lhes contar a história de dois amigos dos tempos das redações assoalhadas e encantadas pelo toc-toc das máquinas de escrever. Vou chamá-los de Paula e Bebeto, para reverenciar a música de Caetano e Milton Nascimento, trilha sonora daqueles difusos anos 70.

Conheceram-se na Redação. Ele, um tanto mais velho que nós. Ela, como eu e outros da nossa idade, a descobrir o mundo encantado das letrinhas e do jornalismo. Escrevia sobre teatro, eu sobre música, o saudoso Ismael sobre cinema e televisão.O moço era o editor, o senhor da verdade, aquele que mandava prender e mandava soltar; plenos poderes sobre os nossos textos, a nossa produção:

— Isto é bom. Dá em manchete. Este outro, deixe-me ver, também é bom. Troca a manchete. O que você tem aí? Deixa eu ver… Fraco, muito fraco. Esquece…

Não éramos ninguém para discordar. Até porque o cara sabia o que estava fazendo.

Paula era uma moça bonita. Lembro mesmo o dia em que Bebeto disse ao fotógrafo, amigo de outras parada:

— Campeão, inventa uma pauta. Tira essa moça daqui, senão me apaixono…

Romeu, o ‘retratista’, que conhecia o amigo há tempos, profetizou:

— Quer saber, compadre? Você está entregue. Já era.

PARTE 2

E já eram mesmo…

Porque também a moça capitulou às graças da paixão.

Logo Paula e Bebeto estavam entregues à montanha russa dos sentimentos controversos. Sim, não. Sim, não. Quero, não quero. Posso, não posso. Devo, não devo. Somos tão diferentes. É tão bom quando estamos juntos. Ciúmes deste, daquela, daquele outro…

Ou seja, o tal canto da sereia que – uns mais, outros menos – todos conhecemos bem.

Primeiro, tentaram disfarçar. Depois, deram a entender que havia uma admiração mútua entre os dois. Por fim, escacharam. Que se danem nós outros, pobres mortais. Diziam, agora, se amar – e pronto.

Vocês imaginam o perereco que ficou aquela redação.

Paixão é paixão em qualquer canto. Com as mesmas implicações e conseqüências.

Se os ‘pombinhos’ estavam bem, era a paz anunciada aos homens de boa vontade. Bebeto passava a ser um deles. Transformava-se em um editor compreensivo, com hábeis soluções e conselhos. Ao contrário, se pintasse uma crise entre os dois. A coluna de teatro virava uma nota e o homem cobrava prazos cada vez menores para a entrega dos textos. Todos suingavam ao som de seus berros. Reclamava do diagramador, das fotos, dos anúncios que bancavam nossos parcos – mas, pontuais – salários. Bufava que bufava…

Até que entendíamos a situação. Ninguém discutia a intensidade do sentimento de um pelo outro. Mas, todos ali – involuntárias testemunhas – ponderavam que não era fácil viver naquele ritmo. Sim, não. Sim, não. Quero, não quero… Enfim aquelas coisas todas que escrevi lá em cima e estou a repetir agora.

O sábio Nasci, de tantos posts e histórias aqui narradas, vaticinou:

— 24 horas de convivência. Não há amor que resista. Logo logo todo esse fogo vira brasa dormida…

Lavado e enxaguado nos desvãos da vida, ele era mestre Nasci no tema. Inclusive Bebeto que ouvia em silêncio as observações do homem.

— Assim vocês atropelam um ao outro. Queimam etapas. Logo, logo ficam parecendo aqueles casais acomodados, ranhetas, sem vida…

Como de hábito, não tardou a se fazer realidade as previsões do Nasci.

Os dois andavam jururus que só.

Era fato que se amavam. Mas, era fato também que estava difícil segurar o romance.

Alguns até diziam.

— Já era…

Parte 3

Pois então…

Assim pensávamos todos.

— Eles já estão na prorrogação. Não tarda e é fim de jogo, fim de caso.

Quem poderia contar com as estranhezas do futuro?

Uma bela tarde Paula chega à Redação com duas novidades que se espalham entre nós como rastilho de pólvora. São bombásticas.

A primeira.

Vai pedir demissão. Preferiria ser ‘mandada embora’ assim levantaria o Fundo de Garantia.

Essa grana chegaria num bom momento. Vai precisar e muito.

Em três meses embarca para Paris, onde pretende ficar um tempo. No mínimo, dois anos. Sua matrícula fora aceita na Sorbone para um curso de extensão em Sociologia Política – esta era a segunda novidade.

Felicitações e lágrimas marcaram aquela tarde.

Paula foi dispensada do aviso prévio e aquele dia mesmo se despediu da gente.

Óbvio que Bebeto, algo desarvorado com a notícia, pediu que eu o substituísse naquele ‘fechamento’ e a acompanhou até sua casa, onde – imaginamos – discutiriam a relação, passariam a régua, fechariam a conta.

Nada disso aconteceu.

O baque da separação próxima – e inevitável… Ninguém em sã consciência abriria mão de uma oportunidade como a que se apresentava a Paula em meados dos anos 80.

Como dizia, o baque da separação fez ressaltar o sentimento que ambos sentiam –e que era real. A partir daquele dia, os ‘pombinhos’ voltaram a arrulhar como se não houvesse amanhã. Falavam ao telefone dezenas de vezes ao dia – e olhe que ainda não havia a comodidade invasiva do celular. Não deixaram de se amar uma só noite.

Era bonito de se ver…

Logo surgiu o dilema para Paula. Vou ou não vou…

Decidiu ir.

Bebeto tentou dissuadi-la. Haviam se reencontrado. Estavam tão bem. Seriam felizes.

Em nenhum segundo, Paula lhe tirou a razão. Em nenhum segundo, ela titubeou:

— Se tiver que ser, superaremos o tempo e a distância.

E assim se fez…

Um dia antes do embarque, outra vez sobrou para mim a edição do jornal. Bebeto estava sem cabeça para outra coisa. Ficou junto da amada o tempo todo. Ajudou-a nos últimos detalhes. Quando afivelou as malas, teve a sensação que a parte mais bonita da sua vida ficara trancada lá dentro e tão cedo não a reencontraria.

Madrugada de sexta para sábado – dia do embarque – Bebeto levantou-se cuidadosamente e, sem que Paula se desse conta, saiu nas pontas dos pés. Amaram-se tudo. Choraram todas as dores. Não resistiriam – ele e ela – à despedida.

Não havia mais motivo para se exporem a tanto.

Passou a chave por debaixo da porta – não voltaria àquele apartamento, àquela rua, àquela parte da cidade. Com a chave, um bilhete e os versos da canção de João Bosco e Aldir Blanc:

“Vida é fazer todo sonho brilhar.”

PARTE 4

Nem sei se a Menina do Cabelo Vermelho ainda me acompanha nesta história. Que aliás só voltou à minha mente quando a jovem me confessou de suas inquietações entre ir para Londres como engendrou ou retomar o antigo namoro…

Lembrei da história de Paula e Bebeto que hoje, quatro posts depois, prometo terminar.

Continuemos, pois.

Quando Paula acordou naquela manhã e leu o bilhete sentiu-se sem chão. Entendeu o tamanho da encrenca e a decisão de partir não lhe pareceu tão nobre assim.

— Danem-se o que todos vão pensar.

O impulso de sair atrás de Bebeto foi incontrolável.

Era o que faria não fosse a invasão de familiares e amigos que acorreram ao apartamento para desfrutar daqueles últimos momentos antes da viagem. Todos estavam dispostos a lhe ajudar nos ‘finalmentes’ antes do embarque. Todos vieram lhe desejar felicidades ressaltar a oportunidade única em sua vida: morar em Paris, estudar na Sorbone. Que menina de sorte!

Tudo o que Paula queria, naqueles instantes, era saber de Bebeto – que, de resto, para o grupo ali era coisa do passado.

— Ainda bem que você se livrou daquele traste, disse-lhe o pai.

Paula baixou os olhos e foi sentar-se perto do aparelho do telefone.

Enquanto isso, Bebeto olhava o mar.

Saíra sem destino do apartamento. Olhos inchados da noite mal dormida, dirigiu sem rumo pela cidade. Até que afoitamente deixou-se levar pela estrada que lhe apareceu pela frente e o levou até o Litoral.

Tinha certeza que, se ficasse em São Paulo, não se controlaria. Correria para o aeroporto, perderia o controle, faria cena para impedir a partida da moça. Tentou se conscientizar: no fundo ela tinha razão.

— Vai ser bom para os dois, conformou-se.

No aeroporto, rodeada pela turma, Paula sorria sem graça. Ansiosa, olhava para os lados e, até o último momento, esperou por Bebeto. Se ele aparecesse, tinha a convicção: não teria partido.

Mas, Bebeto só soube disso meses depois. Ele próprio foi para Paris reencontrar Paula e jurar amor eterno. Foram dias maravilhosos, mas Paula – que menina! – preferiu ficar…

(* A crônica foi originalmente postada com o título de Já Era… em quatro episódios, de 18 a 21 de abril.)