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Conversa de elevador

"O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído" (Titãs)

01. Puxa, os dias estão passando rápido demais que a gente nem percebe a semana, constata a moça em voz alta, com ares de quem está fora do horário. Nunca consigo dar conta dos compromissos do dia, sempre sobra um tantão de coisas para o dia seguinte, resmunga confirmando nossas suspeitas. É…, espanta-se a senhora ao lado, com roupa de quem vai fazer sua caminhada diária. Pois, para mim, os dias se arrastam pesadamente. Meus netos moram foram do País e demora séculos para que venham me visitar, acrescenta em tom nostágico, como se a vida já tivesse lhe oferecido o melhor dos néctares.

02. Ao fundo, a moça com roupa de recepcionista abandona-se aos próprios pensamentos. À sua esquerda, o jovem fashion assobia baixinho a canção da moda e dá uma imperceptível conferida no próprio visual. Tudo em cima: bolsa transpassada, tênis air, camiseta justa e calça jeans com a barra desfiada. Mal entra, o executivo dá às costas para os dois. Traz o paletó na mão e os planos no notebook. Hoje, terá uma agenda cheia. Uma breve parada e surge o zelador que, na mais pura ingenuidade, comenta em voz alta: o condomínio vai subir. E acaba com a pose dos três que, de imediato, se põem a reclamar.

03. As pessoas se ajeitam como podem no pequeno espaço de dois por dois. De repente, num determinado andar, sobrem dois homens parrudos, de terno, gravata e óculos escuros. São seguranças de algum morador importante. Permanecem circunspectos e, sob seus ombros, percebe-se o volume do coldre da arma. O elevador pára e é preciso dar espaço para a babá que traz uma criança no colo. O garoto fica de frente para os brutamontes. Insiste em olhá-los com ar de curiosidade. Por instantes, ambos esquecem das agruras e do risco da profissão e se acusam, mutuamente, com o dedo em riste um para o outro. Olha, o bicho papão, derretem-se para agradar a criança e, mais ainda, a babá. As pessoas controlam o riso enquanto o garoto se põe a repetir: bicho, bicho…

04. Caro leitor, só há uma maneira de se assistir ao horário gratuito do Tribunal Regional Eleitoral que, desde terça-feira, invade descaradamente nossos lares. Se não há como evitar, tente entendê-lo como as conversas de elevador. Estão aí circunstancialmente. Por mais esdrúxulas que possam parecer, sempre têm algo a ver com a vida da gente. Mas, decididamente, não tente levá-las a sério. É como acreditar em bicho-papão, saci pererê e salvadores da pátria…