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Embornal de sonhos

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Foto: Jô Rabelo

Leio no Instagran do amigo professor:

“Vivo como mereço.”

Acho bonita a declaração. Não me sugere empáfia ou alguma arrogância. Sinto quando a leio uma constatação serena de alguém que, em determinado momento da vida, é feliz com o que tem.

Melhor dizendo: com o que é.

Não se trata de achar-se o melhor ou o pior nisso ou naquilo.

Trata-se, creio, de unicamente ser o que se é.

Algo raro e bonito de se ver.

A partir da constatação – e da reflexão que me propõe – lembro, assim por lembrar, outras manifestações nesse sentido, ou quase.

“Vivo como posso” – disse, certa vez, o Escova, no tempo da velha redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor.

Havia se enroscado em nova aventura amorosa e, na ocasião, não sabia como se safar dela.

Quando nós, os amigos, o pressionamos para decidir se assumia a moça ou desocupava a moita, o nosso Dom Juan das Quebradas do Sacomã se saiu com esta:

“Somos as nossas conquistas.”

Quase desistimos dele.

Mas, alguém lá do fundão, sem parar de batucar a possante Olivetti, fez o contraponto em alto e bom som:

“Pagamos pelos nossos erros, Escova.”

Disseram que foi o Zé Jofre, um dos veteranos da turma de repórteres.

Mas, há controvérsia.

O amigo Jofre nunca foi de dar pitacos na vida alheia.

De resto, entre os habitantes daquela sala retangular e assoalhada, o odor de santidade passava longe.

“Somos todos pecadores” – resumiu o Nasci, reconhecidamente o mais vivido de todos nós.

No filme “As Pontes de Madison”, com a assinatura do ótimo Clint Eastwood, o denso romance entre o fotógrafo (vivido pelo próprio Eastwood) e a dona de casa (a magnífica Meryl Streep) é uma aflitiva armadilha do destino. Personagens e espectadores, dentro e fora da tela, se enredam nela.

“Somos as nossas escolhas.”

Conclui para mim mesmo, depois de vê-lo, revê-lo dezena de vezes nessas noites de insônia.

Inesquecível para mim um show que o Milton Nascimento fez em São Paulo, desconfio que nos anos 90.

No palco do então Palace, Bituca reviveu o começo de carreira como cantor de orquestras nos bailes da vida.

Crooner era o nome do espetáculo e reunia alguns dos grandes clássicos musicais de todos os tempos. Nacionais e internacionais. De ‘Only You’ a ‘Mas Que Nada’, repassava Beatles e a eterna “Aqueles Olhos Verdes”, entre outras tantas e tamanhas.

Belíssimo repertório.

Tenho ainda hoje na memória o encanto da interpretação de Milton para “Certas Coisas”, de Lulu Santos e Nélson Motta. Especialmente o verso que diz:

“Somos feitos de silêncio e som.”

Nesse tom nostálgico, ainda lhes trago outra frase:

“Somos nossas lembranças.”

Eu a ouvi daquele a quem chamei, com ironia, de o ermitão da montanha.

Sequer me recordo quando o encontrei, se foi há 10, 15, 20 anos.

Faz tempo.

O homem rude, de hábitos e maneiras, vivia (vive?) lá nos cafundós da Serra da Bocaina e me orientou, em tom professoral, a saborear a leveza do passo que faz o caminho, seja este qual for.

E justificou:

Há  uma fase na vida das pessoas em que achamos ser merecedores, poderosos, indestrutíveis. Erros e acertos, escolhas, equívocos, risos e eventuais lágrimas, nada interrompe a caminhada do peregrino.

Cabe tudo no embornal dos nossos sonhos.

Em outro momento, porém, são as lembranças do que vivemos que darão o mote de nossa jornada.

Não lhe dei crédito então.

Hoje, eu o entendo.

Que me perdoe o amável leitor e amada leitora, se estou um tanto assim, diria, pra lá de nostálgico.

Sinceramente, não sei de onde veio o texto.

Tem certas coisas que eu não sei dizer.

Talvez seja a inexplicável saudade do que vivi e não vivi.

Talvez seja o tom acinzentado desta segunda.

Talvez seja um reles acerto de conta pessoal.

Amanhã completo 68 anos.

1 Response
  • Anônimo
    3, dezembro, 2018

    …saudade realmente é o amor que fica, o preço que hoje pago pelos momentos vividos, inesquecíveis ao lado daqueles que amo.
    Durante toda minha vida,
    muitas pessoas passaram por mim, mas somente algumas dessas pessoas,
    ficaram para sempre em minha memória…
    1999 passou, julho findou, o Palace não existe mais e o que ficou foi este passado no meu presente, morando sempre no meu coração…
    Um beijo do lado de cá do Atlântico.

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