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Eu, ajudante de agrimensor – Parte 3

VII.

Na manhã de segunda, foi montada uma operação de guerra com a reunião de várias equipes de agrimensores numa praça perto do aeroporto. Íamos esquadrinhar toda aquela região e preparar a área para transformar aquele fundo de vale numa grande avenida que cortaria São Paulo de leste a oeste. Uma tal de avenida dos Bandeirantes.

Como disse anteriormente, não entendia nada daquelas conversas que, aliás, não me interessavam. Mas, fiquei feliz quando soube que o pessoal do Alberto iria rastrear todas as imediações da avenida Miruna — ruas transversais e paralelas.

Porque fiquei feliz? Simples. Sabia por ouvir falar que a TV Record – então líder absoluta de audiência – estava localizada na tal avenida. A chance de ver algum artista por ali me daria uma certa notoriedade junto aos meus amigos. Que, como todos, estranhavam quando eu dizia o que andava fazendo profissionalmente.

— Ajudante de agrimensor? Cada uma que escuto. Conta a verdade, cara. Você faz o quê?

Desisti de explicar. Até porque ninguém parava para ouvir. Quem sabe se falasse que havia encontrado a Elis Regina ou o Roberto Carlos, alguém se interessaria pelo assunto.

— Então, falei: Roberto, só um minuto, não saia do lugar que estou terminando umas medições importantes…

Sempre tive tendência a imaginar coisas…

VIII.

Bem, vamos ser práticos. Passei nove dias no estica e puxa daquelas ruas e vi, à distância, apenas dois artistas. O compositor Adoniran Barbosa, de gravata borboleta, chapéu e copo de uísque na mão. Era dez horas da manhã, ele estava sentado à mesa de um bar avarandado em frente à Record. E a cara de poucos amigos do autor de “Trem das Onze” não deixava a menor dúvida.

Passei direto e reto com meu kit de ‘operário padrão’. Estou certo, foi a melhor decisão. Puxei a trena na boa, ajeitei a régua, o prumo e fui ‘cantar’ os números só quando cheguei no outro setor.

Eu, hein!!!

IX.

Lá pelo sexto ou sétimo dia de trampo, conhecemos outra celebridade da Record. O humorista e produtor do Concurso de Bandas e Fanfarras, Durval de Souza. De uma extraordinária simpatia, acolheu nossa equipe em sua casa, situada numa das ruas que medíamos, quando começou uma abençoada chuva. Abençoada porque quando chovia tínhamos que paralisar o serviço e esperar a melhora do tempo.

Acertou quem desconfiou que São Pedro era o santo mais acionado por mim nesses dias. Uma garoinha que fosse – e o Alberto, mesmo contrariado, mandava todo mundo procurar abrigo. Nesse dia, por acaso, paramos em frente à residência do artista. Que se mostrou solícito e preocupado.

— Teremos desapropriações por aqui, então – afirmou em tom de pergunta.

— Vão derrubar tudo por aqui. Vai ser uma avenidona…

Era eu já vivenciando o lado sensacionalista da notícia. O Alberto não gostou.

— Esse meu primo tem um parafuso a menos…

X.

A impressão ficou mais evidente no dia seguinte.

Tínhamos que medir um cruzamento e aí era preciso ter um cuidado extra. Pois, não podíamos atrapalhar o trânsito e tomar cuidado com os instrumentos, especialmente a trena. Deixa-la sempre rente ao chão para evitar acidentes. Foi exatamente o que não fiz quando me distrai por um segundo. Levantei um tantinho a fita métrica que enroscou nos pneus de um automóvel e voou longe. Não houve feridos, mas considerável prejuízo material. A trena ficou imprestável.

— Esse primo já deu o que tinha que dar – comentou desiludido o Alberto.

XI.

Sinceridade. Eu já estava no meu limite. Dez dias acordando às seis e meia. Me entupindo de ‘picadinho’ e guaraná na hora do almoço. Dois sábados sem jogar futebol. Só no estica e puxa de trenas indomáveis e voadoras e prumos inquietos que acabavam com meu ânimo para qualquer outra atividade.

Mas, não reclamei e ia tocando…

No décimo dia, encontramos a outra equipe. Fechamos nosso setor e eles o deles.

O primo Alberto andava mais calado do que de costume.

Por isso, estranhei quando ele entabulou uma longa conversa com o Bigode, o agrimensor da outra turma.

— Eu e a sua equipe vamos por aqui. Você e o meu pessoal fazem o trajeto inverso.

Será que ouvi direito – perguntei a mim mesmo.

— E fica esperto que o ‘cabeludo’ é meio folgado.

XII.

Era isso mesmo…

De primo acabei virando cabeludo folgado, no entender do Alberto.

— Ele não parece o Beto Rockfeller?

Fiquei na minha – e o desfecho eu conto amanhã. De leve…