E eu ali, sem dizer palavra, a ouvir os queixumes do amigo:
— Ela acha o quê? Pensa que não sei? Pensa que não percebi?
Nessas horas, tudo o que temos a fazer é continuar calado, quieto, em silêncio.
Para tais dúvidas, ele próprio tem a resposta pronta. Ou imagina ter.
— Estava estampado nos olhos dela que iria aprontar. Segurava a bolsa de um jeito de quem estava se levantando para sair. O celular na outra mão à espera de algum chamado que não era o meu. Tínhamos combinado de nos ver naquela tarde – ela ficou de me ligar e tal. Mas, me antecipei. Cheguei 15 minutos antes. Cheguei e falei: vamos? Ela, na maior cara dura, com a bolsa na mão, falou que ainda precisava imprimir uns documentos. Demoraria um tantinho mais. Depois subiria, à minha seção, para me ver. Eu passo lá, ela disse e eu fingi acreditar.
Na verdade, o homem se ilude. Prefere fazer de conta que acredita. Ainda não sei se é por vaidade ou por covardia.
— Sabia que ela não viria, continuou.
Intui os próximos passos. Somos tão tolos nessas horas. Na hora aprazada, óbvio, ela não deu sinal de vida, o que fez o moço? Pegou o celular e…
— Liguei uma vez, fora de área. Liguei duas, três. Sequer completava o primeiro sinal, lá vinha a gravação irritante a me despachar. Desci os lances de escada a milhão, cheguei onde ela trabalha e nada… Fiquei Pluto! Tinha de ter soltado os cachorros naquela hora. Quem ela pensa que é? Quem? Quem?
Neste exato instante, ouve-se um toque de celular.
O amigo atrapalha-se um segundo até encontra-lo em um dos bolsos da calça. Olha o nome piscando no visor, e sorri:
— É ela!, me diz.
Atende todo-todo, com voz aveludada. Apatetado, eu diria.
Só o ouço dizer:
— Claro, claro. Claro que entendo. Acontece! Amanhã, então?
Termina o conluio. Desliga o telefone. Vira-se para mim, e diz conformado:
— Um imprevisto. Houve um imprevisto…
Ele acreditou – ou fingiu acreditar.
E foi embora assoviando aquela canção do Cazuza:
“Às vezes, te odeio
por quase um minuto.
Depois, te amo mais.”