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Gonzaguinha. Sempre e sempre recomeçar

Luiz Gonzaga Júnior está com novo disco na praça. Tem um título longo e curioso: Coisa Mais Maior de Grande/Pessoa. É o nono elepê de uma carreira irrepreensível. E mais do que isso: o novo e elaborado trabalho de um cantor/compositor popular, famoso. E de insuspeitas virtudes que, mesmo com todo esse sucesso, são amplamente reconhecidas pela crítica e pelo público. Grande público, acrescente-se.

Para quem há alguns anos era implacavelmente rotulado como maldito, hermético, difícil, trata-se, é inegável, de uma verdadeira proeza. Ou não?

— Nada disso, replica Gonzaguinha. Minha carreira teve uma seqüência natural. O rótulo me foi colocado de fora para dentro. Agora, meu tempo, sim, foi um tempo maltido – de 68 a 74 não foi lá muito agradável. Mas, aí melhorou, né (ironiza). A partir de 77/78 veio a tal da abertura – essa mesma que proíbe a Joan Baez de cantar…

Lembro de Gonzaguinha ainda estudante, vencedor do Festival Universitário carioca. Foi em 66 com “O Trem”. Três anos depois estava em São Paulo diante da hostil e ululante platéia do festival da Record. O rapaz magro, num mal ajambrado smoking cantou “Moleque”. Ficou com a melhor letra – apesar das vaias. Vaias que, por sinal, não foram condescendentes sequer com a música vencedora, “Sinal Fechado” – a obra prima de Paulinho da Viola.

Surpreso?

Nem tanto. Surpresa maior, confessa, revelou-se em 76 quando chegou ao quarto elepê. Parecia uma coisa inatingível na ocasião. Agora, nessa fria tarde de inverno paulistano. Gonzaguinha recorda tranqüilo hospedado em um bom hotel. Está à espera dos repórteres para a habitual coletiva de lançamento. Show em São Paulo, ele garante, só em outubro.

Ainda surpreso? Insisto.

— Continuo sim. Mas de outra maneira.

Entendo logo: é a deixa para falar do novo elepê: Coisa Mais Maior de Grande/Pessoa.

— Repare o tanto da minha surpresa. Considero esse disco de leitura difícil. Tem faixas continuas. Ao todo, são 19 musicas. É uma espécie de texto corrido sobre o tema base: a pessoa. Sua assimilação pelo público vai ser mais, demorada. Tem mais. Foi lançado antes da divulgação nas rádios e jornais – o que complicou o que já parecia complicado. Mesmo assim, há outro motivo para surpresa. O disco vendeu 53 mil cópias nas primeiras semanas. Uma faixa que esperava só esperava alcançar no final do segundo mês de execução.

Gonzaguinha ajeita-se na poltrona. Apóia o rosto sobre as palmas das mãos e pondera:

— No fundo, a gente batalha por esse sucesso. O cantor e o compositor esperam por isso. Acho que todo o meu trabalho foi buscando esse, digamos, reconhecimento popular. Individualmente, a coisa começou a tomar vulto em 79 com Explode Coração. Mas, antes disso, desde 76, minhas musica, embora cantadas por outros intérpretes, vêm acontecendo pôr ai.

Convalescente de uma tuberculose em 73/74, ele pôde conceber e programar sua carreira – as etapas a serem vencidas. Considerou obviamente todos os obstáculos. Nesse contexto, gravou Plano de Vôo em 75. A seguir, fez Começaria Tudo Outra Vez (76) que representou, segundo afirma, a aplicação efetiva do que sugeria o disco anterior. O disco deu origem, por seu turno, à trilogia: Moleque (77), Recado (78) e Gonzaguinha da Vida (79). Completou o ciclo com De Volta ao Começo (80) e já está de novo no início com o atual Coisa Mais Maior de Grande/Pessoa.

Gonzaguinha apressa-se em explicar. Acho que minha expressão lhe sugeriu espanto.

— É simples: do velho para o novo. É do velho que sai o novo. Um elepê propõe o outro e, da mesma forma, está relacionado com o anterior. Como o sol que não se repete nunca. Sempre e sempre recomeçar.

Na medida em que pode Gonzaguinha reverencia o pai — Luiz Gonzaga, o rei do Baião. Fala dele com carinho: “o velho sabe das coisas”.

— Apenas segui o exemplo de meu pai, sem ser aquilo que as pessoas queriam que eu fosse. Caí na estrada. Sempre percorri o Brasil, de ponta a ponta. Nunca fiquei preso somente ao eixo Rio de Janeiro/São Paulo. Comecei em 66 e me profissionalizei em 69. Sempre me propus um trabalho a longo prazo.

E valeu? – pergunto para encerrar.

— Um dia eu cheguei em muitos lugares. Felizmente sou uma pessoa que pôde e pode voltar para todos esses lugares. Amanhã, um prato de comida, uma bebida, um papo. E cada vez mais entre amigos – por aí. Se valeu? Meu amigo, e muito bom poder olhar para trás. Aliás, todo show que faço começa com uma musica que diz: Começaria tudo outra vez se preciso fosse (…) Nada foi em vão

** Gonzaguinha morreu em abril de 1991, vítima de acidente de automóvel, quando percorria o interior do Paraná, fazendo shows.