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Renato Teixeira e a nova moda. De viola

Caipira urbano. Decididamente, o cantor/compositor Renato Teixeira não aprova esse rótulo para o paciente trabalho “de remanejamento” da música caipira que vem desenvolvendo, com êxito, há longos anos. Para esse paulista de Santos, criado em Ubatuba e Taubaté, há uma maneira mais sugestiva e acertada para denominar sua música: moda nova. Faz uma ressalva, entretanto: moda aqui é moda de viola mesmo. Lançando o admirável Garapa, terceiro elepê que faz na RCA, Renato Teixeira conversou com Rodolfo C. Martino, de Gazeta do Ipiranga, sobre a revitalização de um gênero “que já existe há 50 anos”. Afinal, segundo faz questão de esclarecer, “a MPB já percebeu que não pode ignorar a música sertaneja”.

– Em suas recentes entrevistas, você tem demonstrado um entusiasmo incomum com os resultados do elepê Garapa. Alguma novidade?

RENATO – De novo mesmo, acho que só o maior apuro na produção do disco, o maior domínio da linguagem musical a que me proponho e das técnicas de estúdio. A maior vivência. Enfim, acho que Garapa é conseqüência natural dos meus trabalhos anteriores. E está dentro da proposição de se criar uma nova moda de viola. É algo, sei bem, relativamente novo que estou desenvolvendo sem muitas referências. Com o objetivo de gerar uma nova situação para a música caipira.

– Algo semelhante ao que fez o jogador Sócrates recentemente?

RENATO – Não, não é isso, não. O Sócrates regravou clássicos da música sertaneja com intenção – louvável, diga-se – de divulgar esse gênero junto ao grande público das cidades. Minha colocação é outra, embora reconheça que ele não usou mal a chance que teve. E que sua proposição foi das mais elogiáveis.

– E qual é, então sua colocação?

RENATO – O que pretendo é dar força a um movimento que chamo de moda nova (moda de viola, nada a ver com moda de costumes) e se formar a segunda geração de representantes de uma música que já habitou o campo. E hoje está na periferia. E que, penso, deve ter uma roupagem mais atual. Veja bem: o impulso é o mesmo da música caipira, como a que se ouve por aí, com violeiro, primeira e segunda voz. Esse gênero já existe há 50 anos. Eu quero partir daí e chegar aos nossos dias. Repare que o resultado final é diferente porque eu parto de um determinado estágio que não é o deles. Minha realidade é diferente. E vai gerar um trabalho diferente, embora as fontes, as raízes sejam as mesmas.

– Então você se define como um, digamos, caipira urbano?

RENATO – Creio que não é bem isso. Ser caipira, para mim, é algo assim mais emocional. É um estado de espírito. Um aspecto étnico da raça brasileira. Por exemplo, os caipiras do nordeste – Caetano, Gil, esse pessoal todo – já estão na vigésima geração. Então já há uma coerência entre a música nordestina e os dias de hoje. Houve uma atualização de linguagem, de nível. Ela já ocupa o devido lugar. É essa mentalidade em relação à música sertaneja ou caipira que quero fixar junto ao grande público. Creio mesmo que esse novo disco, Garapa, é um marco nesse sentido.

– Já deu para sentir a aceitação desse trabalho. Ou não?

RENATO – Vem melhorando, posso lhe dizer, a cada novo trabalho. As pessoas estão se acostumando a ouvir. Nas rádios, a aceitação é mais demorada. Mas, em show, tem repercussão imediata mesmo. E é exatamente neste ponto que a coisa tende a se desenvolver. Porque, é fundamental que o público conheça aquele som, sem os preconceitos como os que envolvem diretamente a cultura caipira. A bossa-nova, por exemplo, no inicio, foi de difícil assimilação. Hoje, não, o público tem um certo conhecimento do que é bossa-nova, do que canta o Caetano Veloso, outro exemplo. Então, há a identificação.

– Você já citou, por duas vezes, o nome de Caetano Veloso. Como é que você assimilou o Tropicalismo e toda aquela agitação dos anos 60? Você estava em início de carreira, não?

RENATO – É, eu comecei em 67, como compositor. Demorou dez anos para estourar minha primeira música, “Romaria”, com Elis Regina. Mas, sobre o Tropicalismo, eu tive uma posição consciente e, até certo ponto, interessante. Fui, na verdade, um espectador privilegiado. Era amigo de todos e fiquei observando a água ferver. No fundo, no fundo, tinha noção que tudo aquilo nada tinha a ver comigo. Que precisava sedimentar meu trabalho dentro de um caminho próprio, mas de acordo com meu jeito, com a minha verdade.

– Mas, foi o Tropicalismo que abriu as portas para essa gama de gêneros e estilos musicais que hoje existem na MPB.

RENATO – Não tem dúvida. O Tropicalismo rompeu com o sectarismo. Mas, nem assim conseguiu liberar o Tonico e o Tinoco. A elite musical é, em realidade, muito reacionária. Só recentemente o trabalho da dupla acabou sendo valorizado devidamente. Por isso, reconheço que Elis teve um papel de grande importância quando gravou “Romaria”. Certamente se só eu tivesse gravado não alcançaria a projeção nacional. O endosso de Elis foi, por isso, fundamental.

– Nessa época, você já havia se definido pela música caipira?

RENATO – Não inteiramente, sabe. Havia uma identificação quanto aos temas. Mas, não quanto a forma. Só em 73 no elepê Paisagem eu me introduzi, mais ou menos, nesse caminho. Mas, ainda de uma forma precária. Sabe, eu procurei me localizar. Fiz uma espécie de auto-análise, levando em conta o meu lugar social.

– De 67 a 77, como é que você sobreviveu musicalmente. Você vê alguma diferença expressiva nos compositores dos anos 60, da geração de briga dos anos 70 e no pessoal de hoje?

RENATO – Sobrevivi fazendo jingles publicitários. Tocava com o grupo “Água” sem qualquer compromisso, por tocar mesmo. Em termos de diferenças, creio que o mercado de trabalho era menos favorecido. Porém, a gente tinha acesso a mais informações. Tínhamos uma preocupação, sei lá, culturalmente mais sólida que hoje. Era algo mais coeso. Antes ficávamos conversando. Hoje, sai todo mundo correndo para ver quem chega na frente. No meu entender, essa geração formou-se com talento. Mas, sem a atividade cultural necessária. Creio mesmo que tudo isso é, em síntese, reflexo do boicote, do bloqueio criativo que se impôs nessa época à inteligência.

– E o momento atual? Qual sua expectativa?

RENATO – É uma hora importante porque acredito que a MPB já percebeu que não pode ignorar a música sertaneja. Pois, nesse gênero temos um manancial até maior que o samba. Deve-se considerar esse aspecto e valorizá-lo. Repare: a partir do momento em que você tenta tornar uma cultura estagnada mais atual, mais representativa, seu trabalho passa a ser fatalmente um conteúdo social.