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Homem de Lata

Era uma vez, em algum lugar depois do arco-iris, um Homem de Lata…

Tudo ia mecanicamente bem em sua vida até o momento em que, por engano, entrou no consultório do Dr. Maluco Beleza, que era fã do Fausto Silva.

Assim que viu aquele faceiro senhor laminado, Dr. Maluco não se conteve e o saudou com o bordão do apresentador:

— Ô loco meu, que grande figura humana…

Para não assumir que disse bobagem, resolveu presentear o incauto visitante com um coração humano. Em poucos minutos, lá estava o Homem de Lata encantado com as possibilidades impossíveis que a nova vida agora lhe reservava…

Ouvia silêncios e sons. Podia ver e se emocionar com o céu e as estrelas, o sol e a lua, o contorno das montanhas e a imensidão do mar. Com as flores e os amores…

— É agora, meu, se vira nos trintaaaa!!! – divertia-se o nosso cientista lelé ao se despedir.

II.

Não tardou, e o inevitável aconteceu.

O Homem de Lata se apaixonou. De imediato, imaginou que o Dr. Maluco Beleza tivesse aprontado outra das suas. Sentia ter, na cabeça, um ventilador com a hélice turbinada a girar. Zummm, zummm, zummm! Estava feliz; no segundo seguinte, infeliz. Acreditava e desacreditava. Nada entendeu. Viu-se dentro de uma video-cassetada, pronto a despencar ladeira abaixo, vida afora…

Mesmo assim, se entendeu poeta e compulsivamente se pôs a escrever:

” Na sala,
pouco antes
do meio-dia.

Toda vez…
Toda VEZ…
TODA VEZ…

toda vez é ASSIM…

Muito assim…

No Dia D.
Na Hora H.
Desmarca…

No DIA h…
Na Hora D…

Naum vai dá,
naum vô…

e FICO assim…

Toda vez,
já até sei,
MAS, fico assim…

Tudo fica assim…
reticências SEM fim…

E o DIA descamba…
Ah, o coração…
O coração SAMBA…
O olhar…
Bem, o olhar se perde…
E pede…

EM VÃO…

cÁ ESTou no desvão…

Entre o Tudo e o Nada…

NADA, NADA, NADA…

Nada REFAZ o que
NÃO se fez…

E a pergunta
BATUCA,
invade,
DERRUBA,
empaca…

E faremos?
E seremos?

E ENTÃO?

eNTÃO? eu?
Nada… nada…

Espero a próxima
VEZ…

qUEM SABE? ”

III.

Terminou o poema desabafo, e sentiu-se confortado. Mas, não feliz. O dorso da mão mecânica limpou a grossa gota de óleo diesel que lhe escapou dos olhos estáticos. Ele se deu conta que de nada adiantavam as programações que trazia dentro de si, como um robô de ponta que era. Nada fazia sentido.

Com sua voz metálica, perguntou às suas engrenagens mais íntimas e caras.

— Será que amar é isso???

Não esperou a resposta. Como um autômato, o nosso herói se pôs a caminhar. Sem rumo e sem prumo. Passou batido pelo ferro-velho — por um instante, queria largar-se ali e virar sucata para sempre. Afastou o pensamento lúgubre e, quando percebeu, estava na clínica do Dr. Maluco Beleza, que o saudou no melhor estilo.

— Orra, meu. Você por aqui? Ah!, ah!… Já virou sócio-fundador do nosso Domingão, quer dizer do nosso consultório…

IV.

E antes que o Dr. Maluco engatasse a próxima atração, o Homem de Lata fez um pedido veemente. Não queria mais aquele coração de gente. Queria a sua pacata — e algo enferrujada — vida de volta. Era uma máquina, e só máquina.

— Bicho, não vai dar. Vou falar com a Dulcimara, com o Caçulinha. Mas, acho difícil. Já estou até ouvindo a musiquinha do Fantástico. Não vai dar mesmo…

Inconsolável, Latinha (como ela, aquela bandidinha, o chamava) sentou-se duro numa das poltronas da clínica. Apoiou os dois cotovelos nos joelhos, as mãos sustentavam a cabeça sonsa, por acreditar num tal Planeta Sonho, quando se pôs a resmungar para quem quisesse ouvir…

— Quem mandou, cabeçudo? Quem mandou? Onde já se viu apaixonar-se por Safira, a menina de pedra, de brilhos e encantos…

— Mas, que não tem coração – interrompeu o Dr. Maluco Beleza. Tal e qual o ídolo e apresentador, ele gostava de dar pitacos em tudo. Aliás, o Dr. Maluco era, na verdade, o disfarce mais divertido de um misterioso senhor chamado Destino.

[Texto publicado no livro “Volteios – Crônicas, lembranças e devaneios”]