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O carteiro e o poeta

— Mas eu me sinto assim, como um barco num mar de palavras …

A reação espontânea do personagem Mário Rutuolo, o carteiro do filme Il Postino (O Carteiro e o Poeta, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1995) parece-me exemplar para começar a refletir sobre os acontecimentos das últimas semanas. E não estou a falar só da sucessão de debates entre presidenciáveis em que os candidatos ficam a brandir números, cifras e promessas mirabolantes de um Brasil que sinceramente não conhecemos. Sinceramente, não sei como acreditam que alguém acredita. Ou que servem de algum esclarecimento. Falo também e principalmente do que vai em mim e nas pessoas que vejo ao meu redor, perdidas em um mar de compromissos, afazeres e desejos que, literalmente, mais confundem e desnorteiam do que realizam…

Aliás, não é a primeira vez que recorro à obra em textos que escrevo. Confesso que, de tempos em tempos, essas inquietações me assombram. E fico assim, entre o carteiro que nunca serei – pois, sou de natureza trapalhão – e o poeta que, de quando em quando, se arrisca a convencer alguém que vale encantar-se diante do milagre da vida, mas nunca desperdiçá-la…

II.

O filme, que faz parte do catálogo de qualquer locadora que se preze, inspira-se no suposto exílio do poeta chileno Pablo Neruda numa pequena ilha italiana, onde faz amizade com o carteiro do lugarejo.

Fascinado pelo modo de vida do poeta e pelo poder de sedução da poesia junto às mulheres, Mário, um semi-analfabeto filho de pescador que fica gripado só de pensar em enfrentar o mar, tenta entender o que é metáfora, pois está disposto, também ele, a escrever versos.

Apaixonado pela belíssima Beatrice, recorre ao poeta para lhe ensinar o encanto das palavras.

Neruda procura explicar tecnicamente o processo de construção de um poema, mas não obtém qualquer êxito. Ambos estão sentados na praia diante do belíssimo azul do mar Mediterrâneo e, como último expediente, Neruda recita uma de suas poesias que relaciona o imprevisível ir e vir das ondas com o dos corações apaixonados.

Quando termina o soneto, o poeta pergunta: “E então gostou?” E o carteiro faz, sem se dar conta, o seu primeiro verso e passa a entender o que é metáfora… “Mas, eu me sinto assim como um barco num mar de palavras”.

III.

Gostaria de ter a serenidade de Neruda, mas estou longe disso. Identifico-me mais com o carteiro. Mesmo assim insisto, aqui neste espaço, em me espelhar no poeta e sofrivelmente divulgar, aos eventuais interessados, que o bem maior dessa vida resume-se a sentimentos/virtudes essencialmente simples: solidariedade, fé e amor, amor, amor…

É isso que o mundo precisa para ficar melhor. É algo que não se ensina. Mas, existe em cada um de nós. E para vir à tona, para aflorar, basta que alguém nos incite a exercitá-los em pensamentos, palavras e obras.