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Jornalistas escritores

O jornalista vive de contar a história dos outros. Mas, ao cabo de tudo, a soma dessas histórias, de um modo ou de outro, vai resultar na trajetória de vida do próprio profissional de Imprensa. As tramas que ele narrou – e a forma como narrou – farão parte da sua biografia, de como pensa e age, quais suas crenças, seus valores morais, éticos e sociais; posicionamentos, acrescento, imprescindíveis à função.

Não por acaso se diz que o jornalista é o historiador do cotidiano.

Um tanto formal, mas gosto da definição.

II.

Valho-me dela para justificar a existência dos meus quatro livros publicados (“Às Margens Plácidas do Ipiranga”, “Meus Caros Amigos – Crônicas Sobre Jornalismo, Boêmios e Paixões”, “Katsumi Hirota – Legado Para as Gerações” e o recente ebook “Das Coisas Simples, Sensatas e Sinceras”), do próximo que devo lançar ainda neste semestre (“Volteios – Crônicas, Lembranças e Devaneios”) e mesmo da minha dissertação de mestrado (“Museu do Ipiranga – A Nova Imagem de Uma Instituição Centenária”).

Dia desses, num encontro com uma jovem plateia para divulgá-los, alguém me perguntou se pretendo viver unicamente dos ganhos que os livros poderiam me proporcionar. Se, assim, eles me garantiriam sustento e prosperidade.

Uma pergunta natural, feita com a espontaneidade, creio, de um futuro jornalista ou, quiçá, um futuro escritor.

É por que, convenhamos, todo jornalista traz embutido um escritor dentro de si – e versa e vice.

Não estou dizendo tem o dom e o talento para…

Digo apenas que, de um jeito ou de outro, todo rio desemboca no mar, se é que me entendem.

III.

Fiquei surpreso com a pergunta, por mais boboca que, a priori, pode parecer o meu espanto.

Sou jornalista por ofício, apesar de viver longe das redações. De uns tempos pra cá, dei de juntar meus rabiscos em livros. Não me considero escritor escritor. Me sinto um jornalista, embora me permita voos, digamos, criativos (inventivos até) que anos atrás não ousaria.

Coisa do blog (prestes a completar sete anos). Coisas do momento de vida que atravesso. Da experiência vivida em quase 40 anos de jornalismo, dos livros que li, das pessoas que entrevistei, das canções que ouvi, dos filmes e peças de teatro que assisti, dos fatos que observei e outros tantos que vivi.

Enfim, coisas da vida…

IV.

Gosto de escrever e, de volta à pergunta do moço, lá em meus mais remotos devaneios, já me vi em lugar distante, paradisíaco, a viver do meu teclar. Mas, tenho consciência que há uma chance remota de que isso aconteça. Raros escritores – e de áreas distintas – se dão ao privilégio desta tarefa única.

Para afiançar minha resposta, e disse isso a eles, tenho como parâmetro a trajetória de Carlos Drummond de Andrade – um dos grandes nomes da literatura brasileira – que, durante toda sua vida, trabalhou como funcionário público, em cargo meramente administrativo na Biblioteca do Rio de Janeiro.

Se ele que está, ao lado de Manuel Bandeira e João Cabral de Mello Neto, entre os maiores poetas contemporâneos, imagine o que esperar deste pobre escriba que vive a se enroscar nas palavras?

V.

Foi a vez de eles ficarem surpresos…

Aproveitei a perplexidade geral e irrestrita da rapaziada para dizer que Drummond não é caso único. Outros tantos e tamanhos – como Rubem Braga, Carlos Heitor Cony, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Mário Quintana etc – tinham nos livros um instrumento de realização autoral, e pessoal.

Escreviam por vocação e até como testemunho de vida.

Diria que nasceram para tal.

No entanto, tocavam suas vidas com os trocos que recebiam como jornalistas, editores, tradutores e/ou funções correlatas. Muitos enveredaram para a academia; outros fizeram carreira nas organizações governamentais; alguns trabalharam em áreas protocolares de embaixadas e consulados, e por aí foram… Sem esquecer de deixarem um baita legado para a posteridade.

VI.

Neste embalo, achei oportuno citar – a eles e agora a vocês, leitores – a experiência de Sabino e Braga que chegaram a abrir uma editora (a Editora do Autor) para tocar projetos próprios e de amigos, com independência e suposto controle de todo o processo editorial. Daí, acreditavam piamente, viria o consequente resultado financeiro.

Depois de alguns anos, entregaram os pontos, exauridos e com a certeza de que não eram propriamente do ramo administrativo.

Não era fácil viver unicamente dos livros naqueles idos dos anos 50 e 60.

VII.

É bem verdade que muita coisa mudou de lá para cá.

Houve a explosão no mundo editorial, com ampliação de gêneros, estilos e características dos produtos. Mas, ao que posso perceber, por observação, a luta permanece a mesma – e, diria até, algo inglória.

VIII.

Mal terminei a frase e o rapaz da pergunta inicial desfez minhas suspeitas.
Disse que ele e muitos ali gostavam de escrever – e que, por isso, pensavam em cursar jornalismo e, mais adiante, também se tornarem escritor.

– Um caminho natural, não?

Concordei. Mas, considerei importante pinçar, lá do fundo da memória, uma célebre frase do saudoso Armando Nogueira, considerado o melhor texto da imprensa esportiva do País:

“Jornalista não gosta de escrever. Gosta de ter escrito.”

E acrescentei:

No rala-e-rola de uma Redação ou do fechamento de um livro, a pressão é de tal monta que a gente só volta à vida quando vê o jornal impresso e o livro nas estantes das lojas.

A sensação aí – e se tudo estiver nos conformes – é de alívio e prazer. Imensuráveis.

IX.

Para lhes garantir a relatividade das coisas e dos procedimentos na área, dei de lembrar aos distintos um episódio da vida de Carlos Heitor Cony, jornalista e escritor renomado.

Ele ficou quase 20 anos sem escrever qualquer obra literária de sua autoria.

Nesse período, não deixou de escrever. Trabalhou em jornais e revistas, em versões de clássicos para jovens e outras aventuras mais. Mas, ainda jovem ainda – não tinha 50 anos – decidiu dar um basta na sua premiada carreira de escritor, após a publicação de Pilatos, em 1974.

Quando reapareceu com Quase Memória, em 1993, lhe perguntaram o motivo que o levou a ficar tanto tempo sem escrever.

Ele foi lacônico na resposta (mais ou menos nessa linha):

— Tinha coisa melhor para fazer. Era mais importante viver do que escrever.

X.

Enfim, o encontro terminou com aplausos moderados.

Só então me dei conta de que talvez não fosse bem isso o que eles gostariam de ouvir.

Eu e minhas histórias…

Falo demais.

Desconfio que o jovem e sua turma desistiram da vocação.

Ao menos, as vendas dos meus livros naquela noite foram ó… baixíssimas.