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Menino de chapéu

Este não é um post politicamente correto.

Mas, convenhamos, no tempo em que os fatos ocorreram, a expressão sequer era cogitada – e as pessoas, eu diria, primavam pelo senso de fraternidade.

Só que não perdiam a chance de uma boa piada.

II.

Foi nos idos dos anos 50.

Os homens vestiam ternos bem cortados, de cores sóbrias. Os chapéus completavam o rigor dos trajes. As crianças andavam de calças curtas e diziam “sim, senhor” ou “não senhor” aos adultos.

Tinha lá meus cinco ou seis anos – e dois sonhos na vida.

Crescer o mais rápido possível para usar calças cmpridas e chapéu igual ao meu pai.

Aliás, era praxe nas famílias italianas que os garotos só fizessem esse rito de passagem (ou seja, passassem a usar calças compridas) após os doze anos. Um tempo amplo demais para aquietar meus anseios infantis.

III.

O vô Carlito era chapeleiro do Ramenzzoni, uma das renomadas marcas da época. O irmão do pai, o tio Orlando, era alfaiate. Na verdade, toda a família era especialista no ofício de vestir.

Vocês já perceberam a estratégia…

Apelei para o coração generoso e a alma napolitana do vô – e, semanas depois, ele me presenteou com uma caixa redonda, onde estavam impressas as imagens de cavaleiros em uma competição de hipismo. Nunca vou esquecer. Dentro dela, meu objeto de desejo: um mini-chapéu igualzinho aos dos adultos.

Fiquei feliz que só.

IV.

A conquista das calças compridas não foi tão simples assim.

Ninguém me dava ouvidos.

Nem o tio, nem a mãe (que já não agüentava as minhas lamúrias), nem o pai (que ainda me devia um uniforme do Palmeiras).

Dizia que sentia frio nas pernas mesmo no verão. Ou que machucara o joelho jogando futebol e precisava proteger o corte. Inventava mil e uma. Nem assim…

V.

Não lembro bem, mas desconfio que foi minha irmã Rosa a autora da proeza.

Ela era garota ainda – e aprendiz de costureira.

Uma bela tarde, ganhei a tal calça comprida, e não tive dúvidas.

Vesti traje completo (meias e sapatos pretos, calça comprida, paletó verde escuro, camisa, gravata e o indefectível chapéu Ramenzzoni, feito exclusivamente para mim) e esperei o pai chegar para acompanhá-lo ao Bar Astória, na esquina da rua Lavapés com a Justo Azambuja.

Lá se reuniam os italianos e descendentes para falar de futebol (“Palestra em rede”) e jogar Patrão e Soto. Todos adultos – a única criança era eu, o Aldinho, como eles me chamavam, que ficava correndo entre as mesas e olho grande nas balas Toffes e no Guaraná Caçulinha.

VI.

Vocês devem imaginar…

Cheguei todo prosa ao Astória. Enfim, era um deles…

Quem sabe não me chamariam para participar das acirradas disputas por um copo de cerveja? Claro que trocaria a minha parte por goladas de Caçulinhas…

VII.

Mal apareci na porta, percebi que me equivocara nos sonhos, e na roupa.

Seu Vicente, o Viché, não perdoou:

— Caspite, Aldo, teu filho tá parecendo um anãozinho!!!

* FOTO no Blog: Jô Rabelo