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Meu periquitinho verde

Se meus olhos de criança que adorava o pai não me enganam, deve estar uma bagunça danada naquele pedaço de Céu, onde hoje se reúne a turma do Bar Astória que, em sua versão terrena, existiu até o fim dos anos 60 na esquina da rua Lavapés com a Justo Azambuja.

Era lá que os italianos e seus descendentes se encontravam, uma noite sim e a outra também, para discutir futebol, apostar clandestinamente nas corridas de cavalo e jogar patrão e sotto – uma competição entre eles, estranhíssima. E o que valia? Valia um copo de cerveja e um gesto de amizade. Ao final, dúzias e dúzias de garrafas vazias sobre o balcão de mármore. Alguns saíam trançando as pernas de bêbados – e eram os vencedores. Outros sequer molhavam os beiços, mas também arcavam com o prejuízo da conta.

Era mais ou menos assim: todos a postos ao redor das mesas enfileiradas, colocavam dedos. Um deles fazia a contagem em voz alta. O sorteado tinha o direito de beber um copo de cerveja e oferecer outro a quem desejasse. Ou seja, o patrão e o sotto. Os demais só assistiam. Nova cerveja em jogo. Nova rodada – e assim passavam horas e horas. Em meio a parcerias, gritaria, disputa e muita fraternidade num tempo que se perdeu no mais antigo dos anos.

Mas, não estou aqui para falar só deste jogo típico dos italianos do Cambuci. Quero imaginar essa plêiade de senhores – Aldo, Carlito, Garófalo, Patara, Armando, Floriano, Milton, Arlindo, entre outros – a cortar as alamedas divinas entoando uma velha canção…

“Meu periquitinho verde tira sorte, por favor.
Eu quero resolver esse caso de amor…”

Certamente, a esta altura do tempo – embora lá não haja nem altura, nem tempo que é uma convenção dos mortais –, eles já atiraram para o ar os chapéus Ramenzzoni, afrouxaram o nó clássico das gravatas, penduraram o paletó de corte perfeito em algum cabide de nuvem e caíram na gandaia mais do que merecida…

Até porque sempre souberam: a verdade um dia seria restabelecida em toda sua magnitude. Afinal, estão no Céu, um lugar de gente sábia e virtuosa. Aliás, se minha alma nostálgica estiver certa, o Aldão, meu pai, já terá dito:

— Antes tarde do que nunca .

No que o Armando, de imaginários cabelos retintos para esconder os imaginários grisalhos que já não existem, lembrará:

— Aquela viagem foi mesmo inesquecível, camaradas.

Patara, o despachante, irá ponderar:

— Pena que o Rio de Janeiro não é mais o mesmo. Dizem que lá acontecem coisas escabrosas.

No que o joalheiro Floriano prontamente rebaterá:

— O mundo não é mais o mesmo. Mas, hoje, não é dia de tristeza, gente.

E o velho Felipe Garófalo, o cantor, retomará a marchinha de um antigo Carnaval, que se fez hino daquela e de outras gentes.

“Meu periquitinho verde tira sorte, por favor.
Eu quero resolver esse caso de amor.”

O que esses circunspectos senhores estão comemorando?
Ora, ora meus cinco fiéis leitores…

Comemoram a notícia do dia, do ano, do século, do milênio:

PALMEIRAS, CAMPEÃO DO MUNDO.
Primeiro e único.

Afinal, a rapaziada, que hoje está lá em cima, foi ao Maracanã em 1951. Viram o Palestra vencer a Juventus, da Itália, e resgatar a esperança – que é e sempre foi verde – de um povo que, ano antes, sofreu a maior derrota esportiva de sua história…

Assim que chegar em casa, vou procurar o lenço comemorativo da conquista. Tem as bandeiras dos países participantes e um periquito, verdadeiro símbolo do Verdão, com o mundo nas mãos. O Aldão trouxe do Rio de Janeiro e, detalhe, não há qualquer patrocínio nem logomarca de emissora de TV.

Reviro os armários – e o encontro.

PALMEIRAS, CAMPEÃO DAS CINCO COROAS

Uma explicação. Naquele ano o Palmeira foi campeão de todos os torneios dos quais participou – e que agora não sei de cor, mas amanhã estará em todos os jornais.

Aí, sim, solenemente o entregarei ao Rodolfo, meu filho. Com a certeza de que o velho Aldo continuará olhando por nós. E sorrindo de um jeito que só ele sabia sorrir…

Isso, óbvio, se meu coração de filho saudoso resistir…

* Para os felizes: Walter, Zé Carlos, Aldinho, Beto, Marcelo, Rodolfo, Nico, Dimitri, Cacau, Hilias, Renatinho, queridíssimos palmeirenses das famílias Martino, Garófalo, Avezzani, Chisolini, Leone…

[Texto publicado no livro “Volteios – Crônicas, lembranças e devaneios”]