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O contrabaixo

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Tenho sincera vocação para me meter em enrascadas.

Senão, vejamos.

Noite passada, me chamaram para a inauguração de um barzinho, desses cheios de bossa.

Moro próximo a uma movimentada avenida repleta de botecos e points para a turminha que gosta de uma balada – e não vi problema em ir lá dar uma espiada.

Só pra conhecer mesmo. Um bate-volta, sem compromisso.

(…)

De pronto, achei a casa igual a todos as outras. No estilo descolado-chique, sabem como? Mesinhas, cadeirinhas, garçons de roupa preta, meia-luz, ar vintage – enfim, tudo nos conformes.

Única diferença foi o pessoal animadaço com o show que diziam estar programado para aquela noite.

Casa lotada.

Era uma jam session de free jazz ou algo nesse estilo, se bem entendi.

(…)

Fiquei um tantinho curioso,

Gosto de jazz. Mas, há momentos para ouvir. Talvez não fosse aquela a hora. Mal sabia como viera parar ali, não avisei nada em casa e, por outra, esse tipo de som, vamos ser franco, só os músicos se divertem, ficam lá com seus meneios e improvisos enquanto nós, os da plateia, podemos ouvir com ar de inebriante admiração e, quando muito, estalar os dedos a acompanhar o ritmo da moçada.

Concordam?

(…)

Falo demais. Até o que não devo.

A turma riu da minha tosca definição.

Embalado pelo sucesso junto às figuras que acabara de conhecer, fui mais longe nas minhas inúteis considerações. Me pus a falar da minha experiência como repórter na área da MPB, que entrevistei este, aquele e aquel’outro. Que adoro música. Quando garoto gostava de tocar as músicas do Ben Jor ao violão e…

(…)

E…

Sei lá de onde, apareceu um desconhecido, com pose de dono do pedaço, e disse simplesmente assim:

– Que bom!

Disse e olhou pra mim.

– Vou precisar do amigo.

No imperativo. Não deu sequer tempo de responder.

O homem continuou:

– O baixista não veio. Sabe aquela história? Se não tem tu, vai tu mesmo. Então, você parece entender tanto de música; então, vai tocar no lugar dele. Topa?

(…)

A vontade era de sair correndo.

Mas, deu pane.

Fiquei paralisado.

Ao contrário do cidadão que já me pegou pelo braço e foi me levando para a coxia do palco.

Ouvi a aclamação da turma que estava comigo. Alguns aplausos. E até incríveis palavras de incentivo:

– Vai lá, cara. Quebra tudo.

(…)

Seja o que Deus que quiser, pensei.

Nunca peguei em um contrabaixo vida afora. Sequer perto cheguei daquela trapitonga que agora eu via ali, perto de mim, dentro de um enorme estojo de couro.

– Fique à vontade. Ainda temos uns minutinhos para o início do show. Vai se familiarizando com o instrumento.

O bacanudo falou – e caiu fora.

(…)

Fiquei sozinho naquele cubículo.

Bateu o desespero.

Como escapar dali se nem sequer havia janela no lugar.

E agora?

(…)

Tentei encarar o problema de frente.

Depois de muito custo, consegui retirar o contrabaixo da capa.

Reparei que as cordas estavam frouxas.

Olhem o meu delírio!

Decididamente, o fracasso subiu à minha cabeça. Vejam o que pensei:

“Como querem que um virtuose, como eu, se apresente nessas condições.”

Fiquei sinceramente indignado. Pode?

“Justo na minha estreia como músico…”

(…)

– Deixa comigo.

Reconheci logo a voz que viera em meu socorro.

Era o amigo Poeta.

Não sabia que agora ele trabalhava com instrumentos musicais.

Faz um tempo que não o vejo.

Bendita coincidência.

(…)

Enquanto ele fazia lá o trabalho dele, pensei em lhe confessar todo o equívoco que estava acontecendo.

Mas, num instante, ele ajeitou o contrabaixo e fechou questão:

– Agora sim. Vai lá… Vai dar tudo certo!

(…)

Falou com tanta convicção que, neste exato instante, eu…

… Acordei. Livre, leve e solto.

Ri do inusitado da situação.

Me senti aliviado.

Outro tanto ávido por saber como eu me sairia na minha estreia no palco.

Ser artista deve ser legal.

Mas…

… foi um sonho, minha gente!

 

Ilustração: Reprodução da capa do elepê Phono 73

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