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O futuro do jornalismo 5

O repórter policial Ramão Gomes Portão
sentiu-se o último dos homens, o esquecido dos deuses,
o renegado das redações. Seus olhos não queriam
acreditar no que liam. Mas, o teletipo da Central
de Polícia era inquestionável. O Bandido da Luz Vermelha
acabara de se entregar. Ou seja, era de todos – até do
mais chinfrim dos repórteres – a notícia que,
até instantes atrás, imaginava ser só dele.

Foram para o buraco negro do tempo perdido
os dias e dias que andou atrás de Luz Vermelha.
De nada adiantaram as dezenas de campanas
que fez madrugadas adentro até encontrar
o homem na Boca do Lixo, do centro de São Paulo.

Entre uma tacada e outra, um gole de Fogo Paulista
e outro, Luz jurara que, antes de se entregar
à Polícia, chamaria Ramão para escrever sobre
os seus feitos, anunciar que era hora de parar,
e saldar seus erros para com a sociedade.

Os bandidos de antigamente tinham lá seus
códigos de ética, "um nome a zelar", como diziam.
Mas, alguma coisa deu errada nessa história –
e o repórter perdeu o que, àquela altura,
considerava o furo de reportagem da sua vida…

II.

Corriam soltos os anos 50 e o Brasil ainda
não havia sido contemplado com a Redentora.
JK era o presidente, e havia uma áurea
de otimismo solta no ar.

O jornalismo brasileiro vivia um momento,
diria, mágico. O protagonista da ação jornalística
eram os repórteres. O que garantia a sobrevivência
dos jornais eram as manchetes,
avidamente disputadas todas as manhãs.

À época, os jornaleiros costumavam
estampar os jornais abertos nas bancas em
busca do olhar dos leitores, famintos por novidades.
A TV estava apenas engatinhando – nem o vídeo tape
havia sido inventado. E o rádio existia principalmente
para tocar música, transmitir radio novelas
e programas humorísticos.

Jornalismo mesmo, para valer,
só nos matutinos e vespertinos diários…

III.

Ramão Gomes de Portão era o repórter típico.
Ganhava mal, morava modestamente,
não era reconhecido pelo público.
Não pensava em outra coisa que não fosse
o furo de reportagem. Não se imaginava
editor ou coisa que o valha. Vivia
mais na rua do que nas redações.

E vejam: que ironia! Nisso, ele se parecia
com o nosso amigo americano, cuja história
deu origem a esta série interminável, de seis posts.

No entanto, faço a ressalva: são essencialmente
diferentes. Pelo comprometimento, que cada
um tem com seu trabalho. Mais: pelo que
a empresa espera dos nossos jovens hoje.

Querem alguém que dê conta do recado – e só.
Não dá para o jornalista ir atrás de
um furo de reportagem. Ele precisa postar
notícias a cada minuto no site.
Mesmo que não seja uma grande notícia,
o site precisa se renovar.
E assim ficamos refém do imediatismo…

V.

Mas, não vamos culpar só os patrões.
A profissão hoje tem um poder de sedução,
um glamour que não possuía antes.
Fantasioso, fake. Mas, tem…

Há quem entenda que o jornalista é
celebridade, e logo se imagina no sofá
da Hebe, no Castelo de Caras ou mesmo
como entrevistado do programa do Jô…

Por outra, como todo e qualquer ser
humano, queremos morar numa boa casa,
ter um carrinho da hora, um salário
compatível com nossos sonhos.

Não há mal nenhum nisso. Óbvio que não.
Mas, acredite, até os anos 60/70 essas
‘gostosas tolices’ não passavam pela
cabeça de um Pena Branca – repórter policial
ao estilo de Romão, que inspirou a série
Plantão de Polícia na Globo, com Hugo Carvana
no papel de Waldomiro Pena, “o último dos
repórteres policiais românticos”.

De alguma forma, essas conquistas
acabam por nos enredar no perigoso jogo
das conveniências e do registro em carteira.

VI.

Claro que faço aqui a generalização
das generalizações. Mas, o que é esta série
de textos senão um convite à reflexão?

Óbvio que a net mudou o jornalismo.

Hoje, os blogueiros são a bola da vez.
Chegam a pautar as redações.
Mas importante mesmo é saber que
enquanto houver um repórter, ao estilo de
Ramão, de Pena Branca, Kotscho,
Zé Hamilton Ribeiro e tantos outros,
o jornalismo sobreviverá. Tenha a forma que tiver.
Seja qual for o veículo…