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O homem que mudou a minha vida

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Tem um tempão, amigo!

Mais de 50 anos, pode?

Quem diria…

É a tal roda do tempo que gira e gira…

Implacável!

Não lembro quem entrou primeiro naquele ônibus.

Eu ou você.

Sei que foi a primeira vez que nos vimos.

De pé, no fundão da engenhoca de lata, a rodar e sacudir nossos juvenis projetos de vida.

Tínhamos o mesmo destino: o primeiro dia de aula na nova escola, o Ataliba de Oliveira no bairro de São João Clímaco. Cursaríamos o primeiro ano do curso científico; mas, fora todas as demais, uma dúvida nos afligia:

– Será que tem trote?

Não lembro quem perguntou.

Lembro que a resposta foi o silêncio tenso.

Você tinha pouco mais de 15 anos –- e ainda, óbvio, não exibia o título de doutor antes do nome.

Era o Zé Roberto. Ou apenas Beto. Moço bem-comportado, de fino trato.

Eu, 17, a ostentar uma desgrenhada cabeleira e trajar roupas escuras à moda dos roqueiros e dos poetas malditos.

Durei pouco ali.

Havia trote – e pesado.

Não deixei que me raspassem a cabeça. Tornei-me persona non grata  entre os veteranos raivosos. Acabei jurado por eles. Ameaçaram. Mais cedo ou mais tarde me pegariam.

– Pega, não – respondi.

Desisti do curso.

Você insistiu por mais alguns dias no Ataliba, salvou o topete de reco  na sanha da sórdida ‘brincadeira’ dos rapazes. Mas, também abandonou o curso.

Tinha outros planos.

Sem rumo e sem prumo, semanas depois, aportei, com as madeixas intactas e pelos ombros, no estóico Colégio IV Centenário.

Antes me certifiquei que não haveria trote.

Que bela surpresa!

Quem encontro por ali, matriculado como eu no curso Normal?

Betão, o novo velho amigo.

Deu-me boas vindas e me apresentou à turma toda.

Foi meu anfitrião.

Você estava feliz. Sorriso rasgado, cheio de pose.

Disse que sua família era toda de professores –- e faria o Magistério para seguir a tradição.

Mas, o sonho mesmo era estudar Medicina.

Eu, que não trazia qualquer projeto no meu mal-ajambrado alforje, também fiquei feliz em lhe ver.

Acho que nossos ‘santos’ bateram desde o primeiro encontro.

Outra coincidência: morávamos perto, no Ipiranga, dois quarteirões distantes um sobradinho do outro.

Tanto que numa tarde de domingo que o tempo engoliu, o rapazote bateu à minha porta para o irrecusável convite:

– Vamos ao cinema. Preciso levar minhas irmãs. “Ao Mestre Com Carinho”. Topa?

Topei.

E, alguns anos depois, o abusado aqui casou com a Neisa, sua irmã.

Por isso, sempre que possível, fiz questão de lembrá-lo da responsabilidade que lhe cabia sobre meus trôpegos passos e lhe outorguei o cerimonioso título de “O Homem Que Mudou a Minha Vida”.

Que história, companheiro!

Você cumpriu o roteiro a que se propôs.

Foi estudar Medicina no Rio Grande do Sul e, de lá, voltou de poncho, chimarrão, fama de bom churrasqueiro, canudo e diploma.

Era, enfim, o Doutor Stipp,

Na USP, me fiz jornalista a saracotear, entre letras e páginas, vida afora.

Foi um tempo em que ficamos distantes. Mas, ainda assim, próximos.

Que fazer? Eu era agora da família. Amigo, cunhado, paciente. O chatonildo da vez.

Qualquer dorzinha, comigo ou com alguém próximo, lá ia eu atrás do amigo. Sempre solícito e algo debochado quando percebia que era manha minha:

– Toma um Melhoral que passa!

Sempre me causou profunda admiração a sua generosidade para com todos – e, especial, com sua gente. Quem o rodeasse tinha o privilégio de sua atenção, carinho e conhecimento.

Nas horas mais atribuladas, fosse quem fosse, bastava um telefonema. Sua voz firme, quantas vezes, aquietou dores e dúvidas, nos deu ânimo e nos recuperou para a dura lida desta existência.

Nasceu para coisa, o Doutor Stipp.

Mudou, pra melhor, a minha vida e a de muitos.

E agora?

Que tristeza sem fim, meu camarada!

Você partiu fora do combinado.

Na terça-feira que passou.

A gente ainda não assimilou o baque.

Difícil entender que a vida, meu caro, também se compõe desta saudade que se faz irremediável.

Assim, implacável, é a tal roda do tempo, aquela que nos pôs frente a frente no busão, e que gira e gira e gira…

Descanse em paz, Betão.

… não tenho procuração, mas te agradeço por tudo, em nome de todos.

6 Responses
  • Luciana
    9, dezembro, 2019

    Muito amor. Saudades já arromba as portas!

  • Roberta
    9, dezembro, 2019

    Obrigada padrinho por todo esse carinho. Meu pai está feliz com suas palavras, sua companhia e sua alegria. Era muito bom ver vocês conversando, era só risada quando começavam a contar as histórias e suas peripécias.
    Linda homenagem!!

  • Marcello Serett
    10, dezembro, 2019

    Homenagem muito linda Thiago. Meus sinceros sentimentos .

  • Vivian
    10, dezembro, 2019

    Mesmo sem ter procuração, tenho a certeza que expressou o carinho e o amor que sentíamos pelo Beto.
    Saudades eternas!

  • Fernanda Stipp
    10, dezembro, 2019

    Que emocionante essa homenagem tio Rodolfo.
    Muito linda a amizade de vocês.
    O tio Beto vai deixar muita saudade ❤️

  • Maria Christina Stipp Steffen
    11, dezembro, 2019

    Rodolfo, suas palavras tocaram fundo no meu coração… confirmo sua assinatura… Christina

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