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Só no bem bom

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Tijolo…

Pois então, imaginem alguém com este apelido.

Trata-se de um conhecido dos meus tempos do futebol de várzea.

Jogávamos em campos de terra –  e, de lá, saiamos não raras vezes enlameados, quase sempre avermelhados, de pó e suor.

Pois  veio daí o apelido, digamos, amigo.

(…)

Há anos e anos não nos víamos.

Hoje nos reencontramos por acaso.

Ele mal me cumprimenta e vai logo perguntando como eu me sinto depois de tantos anos, de carteira assinada, na lida, e agora sem trabalho formal.

– Só no bem bom?

Foram 45 anos ininterruptos, eu lhe digo sem qualquer convicção do que continuar a lhe dizer.

Penso que Tijolo (não é que ele permanece com o rosto retangular e avermelhado, será que ainda bate sua bolina?) estranhou a declaração que lhe dou, evasiva e algo indiferente.

Fica sem ter o que dizer, então apela para o óbvio dos óbvios:

– Nossa, mais do que eu tenho de vida. Não sente falta?

Acho que já virou os 50, mas evito questioná-lo.

– Ainda não, respondo.

Dou a conversa por encerrada.

(…)

Que papinho despregado de interesse, né, não, gente?

Falássemos de futebol que sempre foi a nossa praia.

Paro por aqui para não chatear os amáveis cinco ou seis leitores.

(…)

Ah, não!

O quê?

Como assim?

Querem saber como eu me sinto etc etc.

Devo essa satisfação a vocês?

Estão aqui todos os dias (será?), me acompanham sempre que possível, já insinuaram que eu deveria levar o Blog para o Face, o Twiter, o Insta e cousa e lousa e mariposa. Facilitaria  pra meio mundo, argumentam. E eu nada, insensível aos apelos e, agora, ainda me faço de rogado com um questionamento que eu mesmo levanto e, assim desmilinguido, deixo solto no ar!

 (…)

Está bem, está bem, meus preciosos e remidos leitores.

Vou lhes dizer o que aconteceu logo que cheguei em casa, após o fortuito encontro.

Fui direto pro livro que estou lendo, A Disciplina do Amor, de Lygia Fagundes Telles (Nova Fronteira/1980).

Está autografado, e eu o encontrei num sebo na Praça da Sé num tempo em que gostava de dar uns perdidos pelo Centro de São Paulo, como se fosse um estrangeiro, um turista incidental.

Folheio o ‘bichinho’ – e lá pelas tantas  encontro o mini-conto Persona.

(…)

Diz o seguinte:

Passei o pente no cabelo. Abotoei o colete, enfiei o anel no dedo e me olhei no espelho: a imagem (persona) correspondia exatamente ao juízo que eu (e os outros) faziam de mim. Fechei a mala. Tomei o trem. Na recepção do hotel, apresentei os meus documentos, preenchi a ficha, gratifiquei o moço que me conduziu ao apartamento, descerrei as cortinas para a bela vista e liguei o rádio de cabeceira que tocava a Serenata de Schubert. Quando anoiteceu, rasguei meus documentos em mil pedaçinhos, joguei tudo no vaso sanitário e puxei a descarga, tirei o colete, guardei-o dentro da mala e despachei a mala para o seu país de origem, desfiz as pegadas da estação até o hotel, tranquei a porta do quarto, joguei a chave no rio e saí pela janela.

(…)

Pois então, amigo Tijolo (se é que anda por aí e me lê, como disse) e amáveis e curiosos leitores:

É assim que me sinto.

Quer dizer, só faço a ressalva.

Trocaria Schubert (que não tenho essa erudição toda, não) por algum clássico da MPB.

É mais a minha cara, concordam?

Foto: arquivo pessoal

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