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Recordações de um repórter 5

Hoje no shopping vi uma moça passar com um chapéu côco igualzinho igualzinho ao que Charles Chaplin usava nos filmes de Carlitos. É muito provável que para a menina aquele acessório sirva apenas para tirar uma onda, fazer uma graça, compor um tipinho, sei lá. No entanto, para um repórter vira-lata como eu, era natural que aquela figurinha – no mínimo, curiosa e sem dizer uma palavra – me fizesse lembrar de alguma história. Uma ou várias.

A mais remota que eu me lembre foi a do filme Luzes da Ribalta que assisti, pela primeira vez, aos onze doze anos. Foi numa matiné em um cinema chamado Ouro Verde em Campinas, onde passava férias na casa da minha irmã Doroti. O personagem principal era um velho palhaço – e não o venerável vagabundo Carlitos. Mas, o que ficou para mim daquela tarde de domingo foram as lágrimas que não consegui controlar nas cenas finais. Ainda bem que estava sozinho. A sala escura, os assentos aos lados vazios, não houve testemunhas da minha ‘fraqueza’. Vivíamos no tempo em que era célebre a frase ‘homem não chora’ – e, pela primeira vez, uma obra de arte me emocionara a tal ponto que chorar me foi inevitável.

Segredo revelado, passo a segunda história. Também antiguinha. Dezembro de 1977, dias antes do Natal, morre Charles Chaplin, aos 88 anos, em sua casa na Suíça. Eu e dois amigos – Clóvis Naconecy e Ismael Fernandes – tocávamos gloriosamente um semanário de nome Jornal da Mooca, pequenino mas muito valente e até abusado. Mesmo sendo uma publicação regional ‘fechamos’ que a manchete da próxima edição seria dedicada ao notável cineasta. O Clóvis tratou de bolar uma capa genial (veja acima, com a brevíssimo texto-legenda ‘Chaplin tinha razão. Com esse mundo, só rindo mesmo’.) e o Ismael de fazer o texto já que escrevia as reportagens de cinema. A mim, restou o trivial bem temperado do resto da edição. Ou seja, trataria do noticiário geral, da diagramação das páginas e de acompanhar a feitura da edição na gráfica. Era só um tablóide de oito páginas, mas no vigor dos vinte e tantos anos nos pareceu ter feito a melhor reportagem do mundo.

E ainda hoje acho que fizemos…

A terceira foi uma entrevista que fiz ali pelo início desta década com um ator, fã e sósia de Chaplin. Chamava-se Paulo Pasttella, morava no Ipiranga e tinha à época pouco mais de 50 anos. Tudo o que o homem queria era manter “a imagem de Carlitos viva”. Como? Ora levando o mais famoso personagem de Charles Chaplin às escolas.

— Quero mostrar para as crianças e para os jovens um filme de Chaplin, contar um pouco a história de sua vida e depois fazer a minha performance.

Para ele, o personagem era imortal.

— Não podemos deixar que essa obra caia no esquecimento. Por isso, procuro fazer a minha parte.

O ator disse interpretar o personagem Carlitos há quase 30 anos. Mas, ressaltou, tudo começou ainda criança.

— Os meus pais assistiam na televisão os filmes de Chaplin e um dia eu vi aquela figura engraçada do vagabundo. Me apaixonei pelo personagem e carrego esse amor comigo ainda hoje.

Um amor é tão grande que, mesmo no dia em que casou, Pastella participou de toda a cerimônia caracterizado de Carlitos.

— Esse personagem, embora cômico, possui sentimentos puros. E foi essa emoção que quis transmitir. Tive essa idéia, contei para a minha mulher que logo aprovou.

Não tive coragem de lhe perguntar se o casamento sobreviveu. A paixão por Chaplin continuava ali. Firme e forte. Mesmo formado em Administração de Empresa e após cursar até o terceiro ano de Ciências Sociais, ele me disse que, antes de mais nada, representar Carlitos era “a grande missão a sua vida”.

Quando lhe perguntei por quê?

Ele repetiu as palavras de Chaplin para definir o Vagabundo.

— Porque ele é um riso e uma lágrima ao mesmo tempo.

Uma lágrima e um sorriso, estou certo, estampariam as feições do Chaplin do Ipiranga se visse a moçoila passar com o chapéu côco. Suspeito que ficaria nele, como está em mim agora, a dúvida: será que ela não assistiu a uma das apresentações de Pastella em tempos idos e aprendeu a amar Carlitos como sempre acontece com as pessoas sensíveis e puras que o conhecem?

Será?