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Silvestre, o cinquentão *

— Tome juizo, Silvestre, mais dia, menos dia, o Doutor descobre essa sua vida desregrada e lhe coloca no olho da rua. Você sabe o quanto o homem é religioso e o quanto preza a família, os bons costumes; todas essas convenções.

Dia sim e outro também, tirante uma ou outra palavra, era este o teor do conselho que Silvestre ouvia assim que chegava ao batente, um renomado escritório de advocacia, onde garantia o leite dos filhos (três, com a afável Marinalva), o terno novo a cada dois meses e a grana para a gandaia generalizada em que se metia regularmente após o expediente.
Não sei se gandaia é o termo correto. O quase cinquentão Silvestre não era de bares e de porres desbragados. Como ele próprio dizia – para gáudio e posteriores comentários malediscentes da rapaziada do escritório –, era viciado em mulher. Não conseguia viver sem elas – assim mesmo, no plural; em especial, não passava sem Dêzinha.

II.

O nome exato da moçoila nunca se soube. Silvestre era doido por ela. Capaz das maiores aventuras para ficar ao seu lado. Passava dias sem dar as caras em casa, só no desfrute. Inventava mil e uma desculpas. De finalização de processos em serões que nunca existiram a viagens internacionais. Certa ocasião, o casal passou uma semana em Paris para comemorar o primeiro ano de união instável.

Foi um perereco amarrar todas as pontas do novelo: arranjar dinheiro para a viagem e deixar outro tanto em casa, pegar uns dias de folga no serviço, convencer a mulher que iria viajar a negócio e garantir ao Doutor que iria para um mosteiro em retiro espiritual, “indispensável para quem está prestes a completar meio século de existência”.

— Olha, um dia o Doutor descobre essas mazelas – e lhe põe pra fora. Nessa fase da vida, onde você vai encontrar salário igual?

III.

Os avisos se repetiam. É certo que os colegas admiravam – e até invejavam –a coragem de Silvestre viver na loucura em que vivia.

Gostavam de ouvir suas histórias e, na boa, era o que dava o tom das conversas cotidianas. Se não fossem tão bundões, até toparia uma ou outra experiência do gênero. Mas, é certo também que preferiam a zona de conforto da casa ao trabalho, do trabalho para casa, com um futebolzinho e algumas cervejas de entremeio.

IV.

Ninguém soube exatamente o motivo.

(Dêzinha deve ter aprontado alguma, desconfiou-se.)

Determinada tarde, porém, Silvestre foi lacônico no informe.

— Parei.

A turma quis saber exatamente sobre o quê Silvestre dizia.

— Ok! Vocês venceram. A partir de hoje, não quero mais me meter em confusão. Tenho quase cinquenta anos – e algumas coisas não fazem mais sentido. Serei um homem do trabalho e da família.

E repetiu:

— Parei.

V.

Alguns acreditaram. Outros, não fizeram a mínima fé.

O fato é que, a partir desse dia, Silvestre não perdeu mais o horário. Não se ouviu mais as delirantes narrativas das aventuras em que se metia, nem nada. O homem era de um recato, digno de um monge enclausurado.
Era monossilábico nas conversas:

– Sim

– Não.

– Talvez.

Eram suas respostas costumeiras.

Vez ou outra se queixava das contas do mês. Do eletrodoméstico que foi para o conserto, da sogram que viera para uma temporada, do rendimento dos meninos na escola… Coisas do lar.

VI.

Aos poucos, os colegas foram distanciando-se do chato. Houve quem pedisse encarecidamente que não o deixasse a sós com o ‘empata’ do Silvestre.

— É sempre a mesma ladainha. O cara está varrendo o chão com os cílios…

VII.

Pior aconteceu em um início de ano.

O escritório perdeu uma série de bons clientes.

Foi preciso um rearranjo de funções no organograma da empresa.

Os grupos de trabalho se organizaram e, pasmem!, o pessoal esquecer de incluí-lo na força-tarefa.

VIII.

O Doutor não teve dúvidas.

Silvestre foi o primeiro nome da lista do passaralho.

Para tanto, usou um preceito bíblico, que todos ali entenderam – e, não
sem razão, se sentiram algo culpados:

“Quem deras fosses frio ou quente! Assim porque és morno, nem frio, nem quente; estou pronto a vomitar-te da minha boca”.

Pobre Silvestre, o cinquentão arrependido.