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Eu, ajudante de agrimensor – Parte 2

IV.

Se há estudantes de jornalismo que ainda hoje se espantam com o termo ‘agrimensor’, imaginem a minha expressão quando a Dona Yolanda voltou da rua com uma verdade inabalável.

— Acabou a moleza. Você começa amanhã como ajudante de agrimensor. Vai trabalhar com o Alberto, meu primo, filho do tio Júlio.

Para mim, tudo era uma grande novidade. Não conhecia o Alberto, menos ainda o tio Júlio e, principalmente, o que viria a ser ajudante de agrimensor. A mãe estava decidida

— Depois você conversa com seu pai.

Lembro: estava preparando meu time de futebol de botão para um importante compromisso naquela tarde. Enfrentaríamos o time do Astrogildo no campo de eucatex da casa dele – ou seja, no estádio do adversário. Nem isso Dona Yolanda levou em consideração. Para ela, seria um cala-boca em todos que falavam de mim.

Em vão, tentei argumentar com a verdade dos fatos.

— Mãe, amanhã é sábado.

Como resposta, ouvi um indiferente “e daí!”.
Percebi, então, que não haveria escapatória.

V.

E não teve mesmo.

Manhã de sábado cinzento. Lá estou no começo da avenida Ipiranga. 7 da matina. Ainda desacoroçoado com a realidade que me espera – e que, me parece, à primeira vista bem pior do que o pai me explicara.

— Agrimensor, topógrafo são a mesma coisa. Vocês vão fazer a medição e mapear as ruas para eventuais futuras obras ou mesmo um reparo. Também não é o fim do mundo. Será uma boa experiência.

Não era o fim do mundo ver todo mundo com cara de fim de semana e eu ali sem estar a fim de trabalhar. Mas, confesso, não me senti confortável ao ser apresentado a duas varinhas brancas com as extremidades vermelhas, à trena e ao prumo. Era o meu kit ‘operário-padrão’, muito prazer.

Não riam, por favor, que eu paro a história por aqui…

Minha função era razoavelmente simples. O topógrafo, primo Alberto, se posicionava no marco zero da rua, com um aparelho medidor sobre um tripé (parecia uma mistura de câmera de TV com um binóculo, tinha visor, lente e tudo), e eu e mais outro ajudante esticávamos a trena até determinado ponto. Gritávamos a metragem que ele anotava num caderno de cálculos e posicionávamos a régua para que ele olhasse pelo visor da trapitonga e ‘fechasse’ com outras medidas que, na verdade, nunca me interessaram.

Feito isso, ele vinha até onde estávamos e nós seguíamos em frente para nova rodada de números e cálculos que, repito, não me interessavam nadinha.

Assim seguíamos até o fim da rua…

Até que não me saí mal neste primeiro dia – especialmente na hora do almoço, pago pela empresa. Fui apresentado a um tal de “picadinho”, consistente prato pronto, que derrubei em segundos, acompanhado de um guaraná, refrigerante à época só nos fins de semana e olhe lá…

— Primo, você come rápido, hein.

Foi a vez de Alberto se espantar.

VI.

Terminamos os trabalhos por volta das 17 horas. A equipe do agrimensor Alberto encontrou-se com outra equipe medidora da mesma empresa na rua Nestor Pestana. Eles vieram da Consolação e todos saudamos o feliz encontro e, principalmente, o fim do expediente. Estava em cacos.

À tarde o serviço arrastou-se. Efeito da leseira que o picadinho provocou? Provável. Ou o desalento por testemunhar as pessoas sem nada a fazer, indo aos cinemas ou mesma deixando-se largar em bares e restaurantes? Com certeza.

Eu ali. Pra lá e pra cá. Estica daqui, puxa dali. Olha o prumo. Acerta a régua. Será que eu perderia minha vaga de quarto-zagueiro titular do time de várzea da Vila Carioca, o invicto Brasília (invicto porque perdia todas). Àquela hora, o jogo devia estar correndo solto. Será que trabalharíamos todos os sábados? Ah, não…

— Ah, sim, primo. Segunda-feira passo às 8 na sua casa. Vamos começar uma medição lá pelos lados do aeroporto. Querem abrir uma via expressa lá. Vai se chamar avenida dos Bandeirantes…

Era o primo Alberto, topógrafo, avisando da nossa próxima jornada. Histórica e breve jornada, como vêem. Que prometo contar amanhã…