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Histórias de inesquecíveis vagabundos

Presidente, fico até constrangido em lhe dizer. Mas, venho de uma família de vagabundos. Esses mesmo que o senhor criticou, no melhor estilo Sérgio Motta, ainda nesta semana. Não sei como me desculpar. É a pura e cristalina verdade. Meu avô Carlito, por exemplo. Antes dos 50, estava aposentado. Sua história não é nada diferente da vivida pela maioria dos brasileiros, filho de imigrantes que aportaram no País no início do século.

Aos oito anos, o menino de nome pomposo Carlos Humberto Vitório (homenagem a dois reis da Itália) já carregava saibros, vigas e sarrafos nas construções de moradias populares no Interior do Estado. Ele já atendia pelo apelido de Carlito (talvez em reverência ao inesquecível vagabundo de Chaplin) e fazia outros trabalhos braçais próprios de quem mora na roça e tinha pai colono. Não lhe sobrava tempo para estudar. Brincadeiras, só depois da missa de domingo… Quando a família se mudou para São Paulo, o rapaz trabalhou no bar do futuro cunhado na rua Scuvero, aqui pertinho no Cambuci. Pegava às 4 da manhã. Serviço leve, porém. Atendia o balcão, lavava copos, carregava engradados de bebidas. Largava quando dava; oito, nove horas da noite.

Ficou um bom tempo assim. Casou e foi trabalhar na fábrica de chapéus e camisas que havia em frente, a Ban-Tan Ramenzzoni. Fez um pouco de tudo ali até que se aposentou, como chefe da chapelaria, aos quarenta e tantos anos. Estava inválido. Tinha uma hérnia rendida, andava com dificuldade extrema, sempre apoiado numa providencial bengala. Morreu alguns anos depois, de enfisema pulmonar. Sua vida então resumia-se à janela da modesta casa da rua Lavapés. O ir-e-vir dos bondes, o movimento dos transeuntes, o vinho e a saudação das tecelãs que por ali passavam lhe alegraram os últimos dias de vida.

Presidente, tive também um tio que, fiquei sabendo ontem, também se aposentou antes dos 50. Enfrentou um tear desde os 13 anos por dez, doze horas diárias. Trabalhava de pé. Tinha hora e meia de almoço. Aos 46 tinha as pernas repletas de varizes que literalmente estouravam ao menor esforço. Não havia como trabalhar sentado. Parou depois de 33 anos e seus proventos mal davam para cobrir os gastos do aluguel. Sinceramente preferi não me inteirar de outros casos de vagais na família. Meu pai se aposentou aos 53 por invalidez, depois de trinta e tantos anos de batente. Escapou por pouco. Mas, prometo, presidente, não aborrecê-lo com outras histórias banais, de um zé-povinho que não é chegado à lida. E certo que eles (assim como outros tantos na mesmíssima situação) não tiveram a oportunidade de viajar pelo mundo, conhecer suas maravilhas e mistérios, como o senhor. Não tiveram o privilégio de freqüentar os bancos escolares, saber de teses e tratados sociológicos. O que fizeram da vida? Trabalharam, trabalharam e trabalharam, aliás como faz a imensa maioria dos brasileiros.

Presidente, sei que o senhor tentou se retratar. No melhor estilo do outro Fernando que ocupou a Presidência, culpou os tais marajás. Porém, ficou a nítida impressão de que, apesar dos quatro anos de Poder e de toda militância política que marcou sua trajetória, o senhor conhece muito pouco da verdadeira realidade do País que pretende governar por mais quatro anos… Só mais uma observação. Li nos jornais que o senhor se aposentou, como professor universitário, aos 37 anos…